Os escolhedores de
cabeça
Por Rev. Ricardo Rios
Melo

Em
minha infância, eu me lembro de ter assistido filmes e desenhos do Scooby-Doo onde uma tribo assustadora e grotesca
tinha o poder de encolher cabeças. Estudos atuais já detectaram esse método e
descobriram o segredo dessa tribo:
Os
Encolhedores de Cabeça eram
assim conhecidos justamente por causa prática do ritual e do conhecimento da
técnica [para encolher as cabeças], mantida em segredo por incontáveis
gerações; eles pertenciam a uma tribo denominada Shuar ou Shuaras
[e suavam; ô, como suavam para encolher aquelas cabeças!]. Os Suharas são um
grupo étnico [biótipo, cultura, dialeto próprios] que habita uma região da
floresta fronteiriça entre o Peru e o Equador.
O ritual era praticado como uma forma de justiça aplicada aos inimigos. Os nativos acreditavam que aquele processo era necessário para anular o poder do Espírito daqueles mortos de retornarem em busca de vingança. Ou seja, era uma forma de evitar que o inimigo morto virasse uma assombração.
O ritual era praticado como uma forma de justiça aplicada aos inimigos. Os nativos acreditavam que aquele processo era necessário para anular o poder do Espírito daqueles mortos de retornarem em busca de vingança. Ou seja, era uma forma de evitar que o inimigo morto virasse uma assombração.
Gibbon
descreve o processo: Primeiro, a parte de trás da cabeça tem de ser aberta.
Toda a pele é retirada do crânio juntamente com a cabeleira [portanto, é mais
que um escalpelamento, é escalpela-descaramento, se assim o
leitor permitir a esse tradutor definir, já que arrancam a cara do sujeito
também].
Toma-se
muito cuidado para não danificar a peça, especialmente o rosto. O crânio é
reservado, [reserve... como se diz nas receitas culinárias] e a carne fresca,
descartada. Depois, coloca-se a pele daquele rosto para ferver durante meia
hora em mistura de água e tanino, uma substância que tem a propriedade de
curtir as peles. Se ferver por mais tempo, os cabelos podem cair.
Essa
máscara de defunto é colocada
para secar ao sol devidamente recheada com pedras esféricas, para que não se
deforme. Depois de seca, é virada ao avesso. O procedimento é repetido durante
seis dias até que o material
fica com apenas um quarto [25%] de seus tamanho original. Então, os olhos são
costurados, para que o Espírito não possa enxergar. Pinos de madeira são
transpassados nos lábios, para que o Espírito não possa falar, assim não poderá
clamar por vingança. Os pinos também são fixados nas orelhas... para que o
defunto não fique escutando conversas.
Ao
fim de todo o processo, uma vez que a está perfeitamente cabeça encolhida,
recheada, reconstituída em miniatura, é o momento da festa de celebração, a Tzantza.. (http://www.sofadasala.com/noticia/encolhedoresdecabecas.htm
- acesso 20/06/2014).
Podemos perceber pelo relato que não tem nada
de poder místico. É apenas uma técnica muito bem elaborada para assustar os
oponentes. Portanto, não precisamos ter medo de que alguém com um cajado ou com
palavras mágicas encolha as nossas cabeças. Eles precisam matar a pessoa para
que isso aconteça por intermédio de processo químico e, digamos, cirúrgico.
Todavia, quando olhamos a sociedade atual por
um ângulo analítico, parece que estamos passando pelo ritual da tribo Shuar:
nossos crânios continuam do mesmo
tamanho, mas o nosso cérebro tem perdido a capacidade de elaborar, discutir,
analisar, perceber o mundo que nos cerca.
Existe uma tribo escolhedora
de cabeça que não usa técnicas cirúrgicas ou mágicas, mas estão conseguindo
encolher a capacidade do homem de pensar. Não entrarei no campo ideológico, no
sentido de vertentes ideológicas, pois é um assunto grande, polêmico e fora da
esfera desse arrazoado. A questão é que os escolhedores não poupam ninguém. Há um
niilismo ignorante, ignorante porque ignora a conceituação filosófica da
negação do sentido. É um não conhecer não derivado da postulação de que não se
pode conhecer nada em essência. É um não conhecer por não conhecer. Por não
estar nem aí. Por não está conectado com o sentido do sujeito. Não concordo com
o niilismo. Entretanto, este é um movimento coerente com o que prega, pois tenta
ser uma filosofia agnóstica negando o conhecimento essencial das coisas. Um dos
menores problemas para essa filosofia enfrentar é o simples fato de que para
conhecer que eu não posso conhecer eu preciso conhecer que não posso conhecer. Os
niilistas não concordarão com essa afirmação, mas eu posso alegar que não posso
conhecer o que não posso conhecer.
Talvez o problema resida
na falta de sentido para o sujeito em buscar qualquer sentido. Na Era do Vazio, como diria Gilles Lipovetsky ou na Sociedade Líquida, como bem frisou Zygmunt Bauman, a efemeridade é a única constância. A liquidez é a rigidez desse novo
homem.
O homem pós-moderno
é muito ocupado, cheio, para se dar conta de seu vazio. Na era das redes
sociais onde todo mundo está conectado, as relações são superficiais e sem conexão
com a amplitude da realidade. Somos íntimos dos desconhecidos e distantes de
quem conhecemos de fato.
Há um hedonismo
não filosófico também, pois apesar de não elevarem Epicuro (341 a.C) à estatura
de um deus, vivem a vida evitando o desprazer. Entretanto, o epicurismo é filosófico
e pensante, diferentemente dos “epicuristas” contemporâneos que evitam o
desprazer de pensar. Mesmo discordando do hedonismo, não encontramos no
hedonismo atual uma apreensão conceitual. A regra é: não pensar! Não se canse! Não
queimem seus poucos neurônios!
Quando somos crianças, temos uma sensação de
que, ao fecharmos os olhos, os monstros sumirão da nossa frente. A sociedade
atual é infantil e fecha os olhos à realidade. A equação é simples: não penso,
logo, não existe. A cabeça encolhida não é detectada pelo espelho de Pollyana
que precisa olhar tudo como positivo para não atentar para o fato de sua
pobreza e de que seu pai tinha morrido (Pollyanna,
escrito por Eleanor H. Porter em 1913).
O lema é: não
pense em politica, filosofia, sociologia, história, psicologia, saúde, doença,
morte e vida, apenas viva. Respire! Isso me faz lembrar uma frase bastante
emblemática do racionalista Descartes, onde ele constata que é a razão que nos
diferencia dos animais: “(...) é a única coisa que nos torna homens e nos
diferencia dos animais, acredito que existe totalmente em cada um (...). (René
Descartes, Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultura, 1999, p. 36). Se ele pudesse,
revolver-se-ia do túmulo ao olhar para a contemporaneidade.
Dentro da igreja,
a tribo Shuar já fez suas vítimas: crentes que não pensam. Esqueceram-se
de levar a cabeça para o culto ou já estão com elas encolhidas. Outros, sem
saber, seguem a ideia reducionista de Tertuliano (160 – 220 AD) perguntando: “o que tem a ver Atenas com Jerusalém?”. Não há um pensamento crítico sobre a mensagem
e nem sobre a vida. São os espirituais. Acreditam que ao estudar história, filosofia,
sociologia, teologia, ouvir um sermão construído exegeticamente respeitando
cultura, língua, história, geografia, ou qualquer outra coisa que não seja a Bíblia
apenas, estariam negando a fé.
Essas vítimas dos
encolhedores de cabeça não percebem e nem podem perceber que essa cosmovisão
não é deles. Ao olhar para um simples texto da Bíblia, você carrega todos esses
valores que eles negam enxergar.
O caleidoscópio da
vida não permite a dicotomia grega do homem: a matéria como má e espirito como
sendo bom.
Certa feita, eu
convidei o grande historiador e professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Dr. Wilson Santana, para falar à igreja sobre sua tese defendida no
doutoramento em Ciência da Religião, na PUC/SP , O pensamento social, o Brasil e a religião, que aliás,
é fantástica e merece um livro. Após terminar a excelente palestra, um irmão piedoso
fez a seguinte pergunta para mim: o que isso tem a ver com a igreja,
pastor?
Bom, eu fiquei chocado com a
pergunta. Mas, ao longo do tempo, venho tentando mostrar que o homem é um ser
total e que conhecer a cultura de modo geral com todas suas nuances é de suma importância
para nos comunicarmos com esse mundo vazio de sentido.
A tribo Shuar contemporânea em nada se
assemelha a tribo original, mas está modernizada e altamente tecnológica. Ela tem
encolhido indistintamente o cérebro de muitas pessoas, mas espero que você não
tenha sido atingido por sua “magia”. Afinal
de contas, como diria o saudoso John Stott, Crer é Também Pensar.
“Rogo-vos, pois, irmãos,
pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.
E não vos conformeis
com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” ( Rm 12:1,2).
Deus proteja sua
cabeça!
Rev. Ricardo Rios
Melo
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