“Como se não houvesse amanhã”



Como se não houvesse amanhã”

Rev. Ricardo Rios Melo

Existe uma música, da banda de rock brasileira Legião Urbana, escrita por Renato Russo, que em seu refrão diz: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há.” Essa letra tem nuances contextuais e um grande aspecto introspectivo. Apenas me fixarei no belo refrão. Acredito que Renato Russo estava correto em afirmar que precisamos amar as pessoas como se o amanhã não existisse.

A Bíblia fala que o amanhã trará o seu próprio cuidado: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mt 6.34). Parece-nos que a Bíblia, apesar de nos falar da esperança e da certeza da vida futura, nos chama a viver o hoje: “antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13). Ao citar o Sl 95, o autor aos Hebreus exorta-os com a lembrança do que acontecera no deserto onde o povo de Deus errou no coração (Hb 3.10) e colocaram o Senhor à prova (Hb 3.9), sofrendo a justa reprovação do Senhor.

A vida cristã trabalha com a idéia contínua de prioridade e urgência. O povo de Deus no deserto deveria ouvir a voz do Senhor na oportunidade que a graça de Deus se manifestou. Os ouvintes da carta aos Hebreus deveriam ouvir a exortação no “tempo que se chama hoje”. Essa exortação mostra a urgência do arrependimento e da vida de fidelidade que o povo de Deus no Antigo e Novo Testamento deveria ter. Aproveitar o hoje, pois o amanhã não se sabe se existirá, pelo menos, para nós: “Eia agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, lá passaremos um ano, negociaremos e ganharemos. No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece. Em lugar disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4.13 -15).

Se somos, como diz Tiago, um vapor que logo se evapora, temos que viver cada momento na intensidade dele; aproveitar as oportunidades. Contudo, a forma de se aproveitar o momento presente é que se deve questionar: como fazer isso? No conceito bíblico é viver para a glória de Deus em tudo que fazemos: trabalho, estudo, cultura, diversão, amor, amizade, família: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais, qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Co 10.31). Dentro do pensamento reformado, a idéia é: coram deo (diante da face de Deus).

A música de Renato Russo continua ecoando “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Cabe-nos a segunda pergunta: o que é amar o outro como se não houvesse amanhã? Se perguntássemos isso aos servos do passado, eles não hesitariam em dizer: pregar o evangelho com tamanha intensidade e com o sentido real da urgência de não sabermos se será o último dia em que pregamos ou, principal e precipuamente, se os nossos ouvintes terão outra oportunidade: “(...) Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece” (Tg 4.14).

Segundo Albert Mohler Jr. , “o pregador pastor puritano Richard Baxter fez esta observação: ‘Prego como se jamais tivesse de pregar novamente, prego como um moribundo a pessoas moribundas’. Com expressão vívida e um senso de seriedade do evangelho, Baxter entendeu que a pregação é, literalmente, uma questão de vida ou morte. A eternidade pende na balança à medida que o pastor prega”[1] (grifos meus).

Pregar o evangelho é a maior forma de amor que podemos demonstrar, pois trata-se do amor infinito de Deus que não poupou Seu Filho para nos absolver da condenação eterna: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).

Pregar o evangelho demonstra que estamos sintonizados com o sentimento e obra de Cristo: “E Jesus, ao desembarcar, viu uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6:34).

Amar as pessoas como se não houvesse amanhã é criar as oportunidades e não esperar o tempo passar: “prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda longanimidade e ensino” (2Tm 4.2); é cumprir o Ide de Jesus sem acepção de pessoas: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16:15).

Amar as pessoas como se não houvesse amanhã é pregar vida a quem está morto: “Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1).

Queridos, provavelmente Renato Russo quis abordar dois aspectos em sua canção: o social e o da afetividade contextual do próprio autor ao salientar a necessidade do amor mútuo. É claro que, sendo oriundo de um mundo ocidental e brasileiro, Renato Russo foi amplamente influenciado pelo cristianismo, no que tange à figura da parábola do Bom Samaritano. Contudo, mesmo que haja um sentido social da época da parábola, embora não único, a concretização desse amor ao próximo intenso e urgente só podemos encontrar no Evangelho.

Renato se foi como um “vapor”. Sua canção e sua história marcaram uma época. Mas, o fato é que como alvo da graça comum de Deus, ele cantou algo que deveríamos refletir e agir. Em um mundo caído e efetivamente orgulhoso e egoísta (2 Tm 3.1-5), a mensagem afetuosa e social de Renato Russo é atual. Porém, pouco terá efeito, pois Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença” (Jo 9.32). Para a Bíblia, assim como Jesus curou esse cego de nascença, Ele precisa abrir os nossos olhos, pois ele é a luz do mundo (Jo 8.12). Todo aquele que está fora dEle está cego pelo deus deste século: “nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2 Co 4.4).

Portanto, nem o socialismo, comunismo ou qualquer ismo poderá fazer com que o homem ame ao próximo como a si mesmo: “isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10.27).

É necessário nascer de novo! A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo” (Jo 3. 3-7).

Como devemos viver o hoje? Como se não houvesse amanhã!

1) Se já nascemos de novo: refletindo a vida nova que nos foi concedida gratuitamente no amado;

2) Se já nascemos de novo: amando as pessoas intensamente pregando o Evangelho da graça, antes que o “vapor” se dissipe;

3) Se você não nasceu ainda do alto (de Deus), precisa se arrepender no tempo que se chama Hoje.

Que Deus nos ensine a viver para a sua glória remindo o tempo!

“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5. 15,16).

Deus nos abençoe!

Rev. Ricardo Rios Melo



[1]Albert Mohler Jr., A Urgência da Pregação, https://sites.google.com/site/espacodabiblia/artigos-1/a-urgencia-da-pregacao, acesso em 10/06/2011.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Sem lenço e sem documento” – uma análise do crente moderno

Aborto; aborte essa idéia!