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Andarilhos da fé


Andarilhos da fé
Por. Rev. Ricardo Rios Melo

No dia 24 de agosto de 2011, a Isto É publicou a seguinte matéria: “O Novo retrato da Fé no Brasil”.  O artigo traz a triste constatação do avanço da secularização na igreja: “Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre os que se dizem sem religião” (Isto É , 24 de agosto de 2011, p. 60). 
Dentro da matéria, há a afirmação de que esses evangélicos não praticantes provavelmente estão experimentando outras crenças. Diz a revista que os neopentecostais “trocam de igreja como quem descarta uma roupa velha: porque ela não serve mais”. O artigo foi fundamentado em pesquisas do Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde também se constatou “que evangélicos de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de insignificantes 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são quatro milhões de brasileiros nessa condição”.
Essa matéria representa bem o cenário que presenciamos nas igrejas locais. As pessoas estão se relacionando com a igreja em um nível de consumo. Se o produto ou o serviço não satisfaz, eles resolvem procurar outra loja.  O articulista argumenta que os neopentecostais trocam de igreja como trocam de roupa; eu acredito que os tradicionais fazem a mesma coisa. Não se tem mais a idéia de pertencimento. Vestir a camisa de uma igreja parece, na cultura pós-moderna, um partidarismo. Para os pós-crentes a idéia é de movimento. Nada de vínculo! Sem grandes responsabilidades e sem ingerências. Se o pastor apertar, eles escorregam como sabonete.
Há um clientelismo por parte dos novos “fiéis” que acaba forçando algumas denominações a modificarem totalmente o seu discurso e sua prática para atender à nova demanda: “Os vínculos são mais frouxos, o que exige das instituições maior oferta de sentido para o fiel aderir a elas e permanecer. É tempo de mobilidade religiosa e pouca permanência” (Isto é, p. 61). Oferta de sentido? A única oferta que faz sentido no Evangelho é o Cristo que se ofereceu na Cruz pelo Seu povo (Mt 1.21).
Além desse novo perfil evangélico descomprometido, existem aqueles que se consideram os mais espirituais de todos e que acham que podem ser considerados crentes sem igreja.  Em Mateus capítulo 18, Jesus diz que edificará sua igreja: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Em Atos, Lucas mostra o crescimento e desenvolvimento da igreja como também a promoção de liderança local: “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (At 14.23). Cristo morre por Sua Igreja: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28). A palavra igreja, no Novo Testamento, ocorre cerca de 75 vezes.
Acredito que a revista levanta algo danoso que tem acometido a igreja: secularização. A secularização é o processo da corrosão da fé pelos valores do mundo. Secularização é o arrefecimento da ação da igreja nas instituições humanas. É o desaparecimento da influência da igreja no âmbito secular. É o acomodamento da igreja ao mundo com seus costumes pagãos e idiossincráticos” (http://arrazoar.blogspot.com/search?q=seculariza%C3%A7%C3%A3o).
Não existe crente sem igreja! Não existe crente não praticante! Se não pratica, não é crente: Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? (Tg 2. 14). Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2.18).
A fé cristã apregoa uma mudança essencial! É uma fé intrínseca que reflete extrinsecamente em todos os pormenores de nossa vida: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Co 5.17).  Quando uma pessoa se relaciona religiosamente com a igreja, ela apenas aderiu à uma ideologia ou a um clube de interesses. O verdadeiro envolvimento com Cristo envolve morte do eu e de suas demandas de desejo; envolve a cruz (!), a autonegação: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24), “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20).
A religiosidade moderna atende os interesses egoístas e narcísicos do homem moderno. Fé cristã envolve abnegação, entrega e envolvimento profundo, verdadeiro. Ser crente é ter compromisso! “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Qualquer outra coisa que não esteja dentro dessa definição de autonegação e morte do eu não é cristianismo; não pode ser chamado de Evangelho. Portanto, existem muitos evangélicos que não conhecem o Evangelho.

Deus nos abençoe!
Rev. Ricardo Rios Melo



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