“Sem lenço e sem
documento” – uma análise do crente moderno
Por: rev. Ricardo
Rios Melo
Essa
frase ficou consagrada na canção de Caetano Veloso, “Alegria, Alegria”, lançada
em plena ditadura no ano de 1960. A música fazia uma crítica inteligente ao
sistema ditatorial e aos seus efeitos devastadores na sociedade da época. Era um
período difícil em que falar contra o regime imposto era perigoso e, em muitos
casos, mortal.
Destarte,
a minha intenção é usar apenas a frase da música “sem lenço e sem documento”. Essa
expressão retrata a ideia de alguém que anda sem objetos importantes para sair
de casa na época da escrita. Hoje, ainda é importante sair com o documento de identidade.
Alguns acrescentariam celular e acessórios; contudo, a identificação de uma
pessoa ainda é uma exigência legal.
Andar
sem uma identificação é sempre perigoso. Se uma autoridade pará-lo, você poderá
ter sérios problemas. É como dirigir um carro sem habilitação. Você pode até
saber dirigir, mas você não está autorizado a dirigir.
Uma
situação tem acontecido, atualmente, no mundo evangélico. Algumas pessoas
entram em uma igreja, às vezes dizem o seu nome, mas não se identificam de
maneira “legal” – entenda-se legal como uma identificação completa. Elas sentam
na igreja, assistem o culto e logo vão embora sem maiores identificações. Esse fenômeno
do crente passageiro ou do crente turista é chamado por alguns de membresia
rotativa ou rol flutuante.
Você
não saberá como a igreja estará no próximo domingo, pois o crente “sem lenço e
sem documento” poderá aparecer ou não. O pregador sempre tem a impressão de que
tem que explicar tudo novamente, pois as pessoas que estavam em um culto muito
provavelmente não estarão no outro. Daí, a pregação expositiva e sequenciada
sofre por não fazer o sentido total para aquele que acabou de aterrissar na
igreja e logo alçará voo.
O
professor da Escola Bíblica Dominical sempre precisará retornar para o início
do estudo para dar sentido para aquele visitante “sem lenço e sem documento”.
Quando
a igreja pensa que resolverá o problema se aproximando do viajante e lhe
pedindo os “documentos”, o crente “sem lenço e sem documento” foge como se
fosse um fugitivo da lei. A intenção desse grupo é passar pela igreja sem ser
percebido. Compromisso é uma palavra não quista por esse grupo. A palavra
compromisso é originária do latim compromissum que significa uma promessa mútua. No direito, essa palavra ganha o
sentindo de “promessa mútua feita por duas ou mais pessoas que se submetem um
pleito à decisão dum juiz” (Gabriel Valle, Dicionário
Latim – Português, São Paulo: IOB - Thomson, 2004, p. 165). Esse
compromisso é rejeitado pelo crente “sem lenço e sem documento”.
Bom,
essa ideia de andarilho da fé já foi tratada por mim, em um dos artigos intitulado
“Andarilhos da Fé” (http://arrazoar.blogspot.com.br/search?q=andarilhos).
Esse
fenômeno do crente que não tem interesse em ser identificado e que quer ser despercebido,
infelizmente, é comum! O que nos chama a atenção são as pessoas dentro da
igreja, que outrora se identificaram, firmaram compromisso com sua igreja
local, mas que, por algum motivo, resolveram andar “sem lenço e sem documento”.
Eu
fico imaginando as palavras de Jesus em Lucas capítulo 18.8: “Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura,
fé na terra?”.
Jesus veio salvar sua igreja. Isso implica congregação. A palavra
igreja (ekklesia) aparece 74 vezes no
Novo Testamento. O sentido de igreja implica necessariamente reunião de
pecadores redimidos. Era uma palavra usada originalmente na convocação de
cidadãos que deveriam sair de suas casas para se reunirem em um lugar público. Por
mais que eu e você sejamos o templo do Espírito, nós individualmente não somos
a igreja. Fazemos parte da igreja. Entretanto, não somos a Igreja. Existe uma ideia implícita em congregar,
juntar-se. Deus escolheu um povo para ser chamado seu: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes
as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”
(1 Pedro 2:9). Povo implica plural.
O
autor da carta aos Hebreus exorta claramente um mau costume que estava
ocorrendo com os leitores de sua carta: “Não
deixemos de congregar-nos,
como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes
que o Dia se aproxima” (Hebreus 10.25).
Eles deveriam ter cuidado para não deixar de se reunir em assembleia.
Os crentes modernos poderão ter que cantar um cântico novo no
grande Dia do Senhor. Ao invés de catarem “Alegria, alegria”, cantarão “Tristeza,
tristeza”, pois o Noivo (Jesus) buscará apenas sua noiva (a igreja).
As pessoas “sem lenço e sem documento” não farão parte do rol do
Filho do Homem, pois esse livro exige identificação completa:
“Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé
diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi
aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se
achava escrito nos livros.
(Apocalipse 20.12). “E, se alguém não foi achado inscrito no Livro
da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo” (Apocalipse 20.15).
Que
eu e você sejamos encontrados e identificados pelo nosso Deus!
Deus
nos abençoe!
Rev.
Ricardo Rios Melo
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