Arrastando a Cruz
Aprender a observar é uma arte que dá trabalho. A prática da observação requer interesse por aquilo que se observa. Jesus constantemente usava as expressões “olhai”, “observai”, que significam olhar com a mente, considerar atentamente, comparar.
Em 2 Coríntios 13.5, o apóstolo Paulo fala do auto-exame usando a palavra examinar: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados”. A idéia da palavra examinar é de testar, apurar se realmente uma tarefa pode ser realizada. Essa palavra também é usada no sentido positivo de provar e, dependendo do contexto, pode ser usada como tentar. Os coríntios deveriam testar se realmente estavam na fé.
Partindo da idéia da observação e da auto-observação, poderemos nos debruçar de maneira atenta para a igreja moderna. Pensemos de uma maneira bastante reflexiva sobre esse assunto. A tentativa é: primeiro, observarmos ao nosso redor; segundo, olharmos para nós mesmos. Para essa análise, convido-os a refletirem em uma frase de J. E. Vaux:
“A cruz é mais fácil para aquele que a carrega do que para aquele que a arrasta pelo caminho”.
Sem medo de ser duro ou olhar com severidade a igreja hodierna, acredito que muitos que se consideram crentes estão se arrastando pela fé. Não estão carregando a cruz e praticando a auto-morte; o mortificar dos nossos pecados. Não praticam a auto-negação. Pelo contrário, querem o melhor dos dois mundos: a eternidade e a não aplicação do juízo e viver nesse mundo sem nenhuma renúncia.
Jesus declara que veio aliviar os que estavam cansados e sobrecarregados e disse em Mateus 11:28-30: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”.
O que será que está acontecendo? As pessoas estão cansadas, desanimadas, secularizadas, escravizadas ao dia-a-dia, consumidas pela pressa do tempo que não espera, desamparadas, desatentas.
Conversando com alguns líderes, temos algumas sensações bastante conflitantes. Alguns relatam o crescimento de suas igrejas e o desenvolvimento de projetos do Reino, com isso, ficamos felizes e cheios de júbilo! Outros líderes relatam a dificuldade que enfrentam no crescimento das igrejas que lideram. Então, ficamos tristes.
A conversa continua e percebemos mais nitidamente a situação, pois uma parte dos que dizem que suas igrejas estão crescendo, resguardando as belas exceções, confessa que não sabe a profundidade da raiz da semente que foi plantada, pois há um vazio no testemunho e pouco compromisso com Cristo e com Sua igreja.
Há um tempo, compartilhando com um pastor sobre a tristeza de ver a igreja vazia no horário noturno e, às vezes, no diurno, ele me consolou: “acontece a mesma coisa na minha igreja”. Quando ouvi esse relato, tive duas sensações: a primeira foi bem carnal e auto-justificatória: “viu que não é só na minha igreja?”. Mas, Deus que nos trata e nos corrige imediatamente repeliu esse sentimento com uma tristeza profunda e, desde então, tenho tido muito cuidado em minhas observações, pois percebo que, ao olharmos para o outro, temos que, antes de tudo, olharmos para nós mesmos.
A primeira pergunta deve ser: e eu nisso tudo? Como estou? Certa feita Jonathan Edwards disse:
“Quando olho para dentro de meu coração e observo minha iniqüidade, ele parece um abismo infinitamente mais fundo do que o próprio inferno”.
Essa compreensão do próprio pecado fez o apóstolo Paulo declarar que é o principal dos pecadores (1 Tm 1.15). Quando olharmos para os outros, devemos voltar os olhos para nós mesmos, pois precisamos de um auto-exame pautado nas Escrituras: como eu estou diante desse comportamento do outro que agora eu condeno? “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio?” (Mt 7:3).
Portanto, ao observarmos que muitos se arrastam na fé e estão pesados, perceberemos que se aplica a exortação do autor aos Hebreus 12.1: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta”.
A corrida está cansativa e pesada porque muitos estão embaraçados pelo pecado e não conseguem correr. Estão arrastando a Cruz.
Muitos encontram justificativas no outro para não congregarem ou não testemunharem de Cristo; frases são formuladas, por exemplo: “essa igreja desanima qualquer um”, “não consigo gostar desse pastor”, “essa liderança não anima ninguém a vir à igreja”, “eu já desisti, com essa liderança eu não faço nada”. Essas são frases, no mínimo, soberbas, pois demonstram que o problema está no outro, não houve nenhuma auto-avaliação.
A palavra ânimo, oriunda do latim, significa disposição resoluta e inalterável, em face de situações difíceis; coragem. O desânimo é creditado ao outro, quando na verdade vem de nós. O ânimo deve vir do Senhor, pois é Ele que nos encoraja: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz
Às vezes o que fazemos é aquilo que a psicanálise chama de projeção: lançar no outro aquilo que é meu. Por mais que as coisas sejam desmotivadoras, a desmotivação é minha, vem de dentro e não de fora.
O apóstolo Paulo foi perseguido pelos de dentro e pelos de fora, sofreu violência e preconceito dos judeus e dos próprios irmãos cristãos, tinha profunda tristeza por ter perseguido o Senhor Jesus e os irmãos do Caminho, entretanto ele declara: “Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4.12-13). Em 1 Coríntios 9:16 : “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!”. Em 2 Coríntios 4.8, “Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados”.
Querido, olhe para você e se pergunte: estou realmente carregando a cruz? Estou enxergando verdadeiramente o problema? Tenho tirado o argueiro do meu olho? Posso atirar a primeira pedra? Cuidado para não arrastar a cruz!
“É inútil grandes grupos de crentes gastarem horas e mais horas implorando que Deus mande um avivamento. Se não pretendemos nos reformar, também não devemos orar” (A. W. Tozer).
Que Deus nos corrija!
Rev. Ricardo Rios Melo
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