“Deixa a vida me levar”
Esse é o refrão de uma música famosa do cantor e compositor Zeca Pagodinho. Como é de costume no Brasil, o ilustre artista retrata parte de sua vida e maneira de viver. Ele diz: “Eu já passei por quase tudo nessa vida; em matéria de guarida, espero ainda a minha vez. Confesso que sou de origem pobre, mas meu coração é nobre. Foi assim que Deus me fez... E deixa a vida me levar, (Vida leva eu!), Deixa a vida me levar, (Vida leva eu!) Deixa a vida me levar (Vida leva eu!). Sou feliz e agradeço Por tudo que Deus me deu... Só posso levantar as mãos pro céu Agradecer e ser fiel Ao destino que Deus me deu Se não tenho tudo que preciso com o que tenho, vivo De mansinho lá vou eu... Se a coisa não sai do jeito que eu quero, também não me desespero, o negócio é deixar rolar; e aos trancos e barrancos Lá vou eu! E sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu... Deixa a vida me levar (.repete o refrão)”.
Essa música é bastante interessante. Ela retrata a crença popular brasileira de origem Católica Apostólica Romana. Contudo, como é comum no Brasil, aceita-se partes do dogma e nega-se aquilo que confronta a própria experiência do indivíduo.
Na música de Zeca Pagodinho, ao mesmo tempo em que se credita a Deus o destino vivido, há um conflito, acredito que sem intenção, com a forma deísta de pensar.
Os deístas acreditavam que se poderia chegar a conhecer a Deus pela razão e não era necessário abraçar igreja ou religião alguma para se chegar a Deus. Também acreditavam que Deus não intervém e, muito menos, dirige a história humana. Cada homem decide seu caminho por intermédio de sua razão. Filósofos famosos, como Voltaire (1694-1778), acreditavam nessa corrente.
A música do compositor brasileiro Zeca Pagodinho certamente não teve a intenção de nos criar esse dilema. O fato é que todos nós somos influenciados por algum pensamento ou por vários pensamentos ao longo de nossa história. Nós somos seres de uma época e cultura que interagem passiva e ativamente com o meio. Portanto, é impossível alguém ter um pensamento só seu. É mais provável que ele não saiba quem foi que o influenciou. Até os opositores de um pensamento tomam por base o pensamento que existe para se oporem.
Poderíamos pensar nessa música por outro ângulo. Seria ela determinista? “Só posso levantar as mãos pro céu Agradecer e ser fiel Ao destino que Deus me deu”. Bom, essa parte da música parece bastante fatalista e devota ao mesmo tempo. Ela diz que o destino foi Deus quem Deus e que ele (o compositor) deve ser fiel ao destino dado.
O determinismo crê que todos os eventos, vontades, acontecimentos são determinados, ou melhor, causados por leis mecânicas. Kant foi o mais moderno filósofo a usar essa terminologia. Ele não pretendia estabelecer uma ordem finalística. Não é um busca da resposta final, mas da causa; da origem que determinou o fenômeno. Tecnicamente falando, seria “1º ação condicionante ou necessitante de uma causa ou de um grupo de causas; 2º a doutrina que reconhece a universalidade do principio causal e portanto admite também a determinação necessária das ações humanas a partir de seus motivos.”[1]
Já o fatalismo crê que, mesmo que se evite a causa, não se poderá mudar o fim da história. No fatalismo, temos que aceitar os fatos como eles são e de maneira resignada. Dentro dessa perspectiva, poderíamos classificar parte da música supracitada como sendo fatalista. O compositor diz que deve apenas levantar as mãos para o céu e agradecer o destino que Deus lhe deu.
Concluamos esta despretensiosa avaliação crítica da música. O autor nos leva a inferir que ele crê
O autor acredita na bondade do seu coração “meu coração é nobre”. Fala sobre “os trancos e barrancos” que enfrenta na vida e canta “deixa a vida me levar, vida leva eu!”.
Querido, você pode ter achado uma bobagem fazer essa avaliação tão filosófica de uma canção popular. É claro que os compositores populares não estão pensando nas pressuposições filosóficas de sua pena. Nem tão pouco pretendem imprimir de maneira intencional comportamentos e estruturas de pensamento. Todavia, é isso que acontece.
Todos nós somos influenciados por algum tipo de pensamento e de comportamento. O problema é que poucas pessoas sabem disso. Estamos o tempo todo influenciado o meio e sendo influenciados pelo meio: família, sociedade, amigos, parentes, jornais, filmes, novelas etc.
O cristianismo não é determinista, pois acredita que Deus é quem governa o mundo. O determinismo fala que são as causas naturais que determinam a ação. O cristianismo diz que Deus governa o mundo que criou. Ele não intervém na história, ele é Senhor da história.
O cristianismo também não é fatalista. Segundo Bavinck, “A postura Cristã para com a ordem da criação nunca é um fatalismo; a astrologia é superstição vergonhosa. A providência de Deus não anula as causas secundárias ou a responsabilidade humana. O governo aponta para a meta final da providência: a perfeição do governo majestoso do Rei. Ainda que seja correto em certas ocasiões falar em “permissão” divina, esta não deve ser interpretada de tal maneira que negue a soberania ativa de Deus sobre o pecado e o juízo”.[2]
Bom queridos, todos nós somos influenciados por algum pensamento. Resta saber de você como tem vivido sua vida: deixando a vida te levar ou depositando sua vida na soberana vontade de Deus?
Você é um deísta, fatalista ou crê na divina providência?
Queridos, não deixem a vida te levar! Saibam a origem dos pensamentos que você pensa que são seus.
“Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).
Rev. Ricardo Rios Melo
[1] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 245.
[2] Herman Bavinck, http://www.monergismo.com/textos/providencia/providencia_bavinck.htm.
Comentários
Textos muito abençoados.
Ainda não o conhecia.
Estarei sempre visitando para beber dessa água.
Forte abraço.
alexmaltta.blogspot.com
Evangelho da Graça
Gostei muito desta postagem, parabéns. E parabéns também por este blog, o qual já está na minha lista de blogs preferidos no Solus Christus (blog)!
Um forte abraço!
Rev. Ronaldo P. Mendes
Muito obrigado por sua visita e apreciação!
Que Deus o abençoe!
Ricardo Rios
Muito obrigado pela deferência! Também tenho seu blog nos meus favoritos e sempre confiro seus excelentes posts.
um grande abraço!
Deus abençoe seu ministério!
Ricardo Rios