Calvino a Serviço do Rei (III parte)
Rev. Ricardo Rios
Amigos
A solidão ministerial não impediu que Calvino cultivasse seus amigos. Desde a infância manteve suas amizades bem regadas. Isso fica claro na dedicatória de sua primeira obra feita a um desses amigos desde o tempo de escola em Paris.
Suas cartas pessoais, algo de alta monta, demonstram o quanto Calvino apreciava suas amizades. “Dois amigos, no entanto, ocupam um lugar de destaque na correspondência do grande reformador, correspondência essa que começa por volta de 1537 e vai até aos dias últimos da sua vida em 1564. esses dois homens são Viret e Farel.”[1]
Apesar de sua pouca idade, 25 anos ainda quando começou sua amizade com Farel, que tinha 45 anos, Calvino desnuda sua alma para o amigo e revela seus medos, anseios, alegrias, tristezas, dúvidas e até “suas aperturas financeiras do começo difícil em Estrasburgo e o incube de vender os seus livros para desafogar a sua penosa situação. É Farel que Calvino se sente com a liberdade de tratar em carta com severidade, sem pedir desculpa ‘pois eu sei que está acostumado às minhas rudezas’”[2], Diz Calvino em uma de suas cartas ao amigo. À Farel, Calvino escreve mais de 90 cartas.
Para o amigo Viret, Calvino escreve 60 cartas nas quais compartilha de sua ojeriza à mínima idéia de voltar à Genebra. Ele escreve ao amigo também sobre sua angústia em face da doença de Idelete. “Calvino vai realizar o casamento de Viret com Elizabeth Laharpe, impetrar a bênção sobre os noivos. Aliás, sobre o assunto, Calvino vinha aconselhando Viret desde há algum tempo”.[3] Viret é o grande amigo, o amigo de todas as horas, que estava junto à Calvino na morte de sua amada Idelete.
Theodoro Beza, nascido em 24 de Junho de 1519, em Vezelay-Borgonha, dez anos mais novo, considerava Calvino como o “mais excelente irmão e pai”.[4] É Beza que escreve a primeira biografia de Calvino: L’ Histoire de LaVie de feu Mr Jeaan Calvin, fidele Serviteur de Jésus Chist (A história da vida e morte do finado Sr. Calvino, fiel servidor de Jesus Cristo). Essa obra foi publicada em Genebra: Pierre Chouët, 1657, dez anos após a morte do Reformador.
Beza prestou grande serviço a Genebra e foi companheiro de Calvino, principalmente na causa dos huguenotes. “Estava Beza em genebra quando se deu a terrível chacina da noite de São Bartolomeu e muitos huguenotes que conseguiram escapar à matança chegaram a Genebra feridos, cansados, com fome. O seu apelo à cidade para acolher estes refugiados e sustentá-los teve um efeito extraordinário.”[5]
Foi Theodoro Beza que substituiu Calvino em sua morte. Era um excelente orador com uma poderosa verve. Contudo, jamais teve a perspicuidade teológica de Calvino. A pena do mestre ficou sem sucessor!
Morte
As doenças constantes do Reformador corroeram sua vida até o fim. Suas constantes dores de cabeça se intensificavam e permaneceram com ele mais de 20 anos. Gota, artrite, cálculos renais feriam profundamente o corpo fragilizado de Calvino.
Todavia, o que doeu bastante no Reformador foi o divórcio do seu irmão Antoine com Ana. Ana traiu Antonie com Pierre, o mordomo corcunda de Calvino que há tempos vinha-lhe roubando. Antonie casou-se novamente mais tarde.[6]
Em 1562, outro duro golpe para Calvino foi o adultério cometido por “Judite, a filha de Idelete que todo mundo respeitava como sendo virtuosa e piedosa.”[7] Ela mesma se apresentou ao Conselho. Calvino ficou profundamente envergonhado, mas, mesmo assim, voltou para sua casa e ao trabalho. “Quando seus amigos lhe imploravam que descansasse, que parassem, sacudia sua cabeça e respondia: ‘o que? Gostariam que o Senhor me encontre desocupado quando Ele chegar?”[8]
Em 6 de fevereiro de 1564, Calvino pregava
No dia 27 de maio de 1564, Genebra teve um dia sombrio e seu brilho foi ofuscado pelo fechar dos olhos de Calvino. “Eis como, em um mesmo instante, nesse dia o sol se pôs e o maior luzeiro que houve neste mundo para a direção da igreja de Deus foi recolhido ao céu”.[10]
Houve grande choro dos órfãos de Calvino. Apesar de ter perdido seus filhos de sangue, ganhou diversos filhos da alma que lamentavam e prateavam a perda de seu pai. A academia perdeu seu mestre e doutor. A igreja perdeu seu amado, cuidadoso e zeloso pastor. “Muitos queriam ver-lhe o rosto ainda uma vez, como se não o quisessem deixar, nem vivo, nem morto”[11].
Legado
Calvino era um homem de dores. Doenças recorrentes não o deixavam
“Stickelberg intitula o período na vida de Calvino de 1550-1556 ‘anos de Triunfo’. A posição que, por anos seguidos, tinha trazido Calvino nas agonias de uma possível expulsão com ameaças de morte, diminuía agora após a execução de Servetus.”[13] Nesse período, opositores se juntaram para uma insurreição. Contudo, o plano fracassou ao ser descoberto anteriormente e os opositores seriamente punidos com a degolação. Calvino não participou desse trágico evento da decapitação.[14]
Calvino começava a colher os frutos de seu trabalho, pois a cidade passou a ser conhecida por sua prosperidade e moralidade. “O Duque de Sabóia, que nunca perdera as esperanças de voltar ao domínio de Genebra, sabia agora que seria debalde tentar. J. Knox, em 1556, dizia que Genebra era a mais perfeita escola de Cristo, desde os dias dos apóstolos”.[15]
A Academia de Genebra foi aberta pelo Reformador em 5 de março de 1559. Mesmo precisando de acabamentos, o material humano, que é o mais importante para Calvino, estava pronto. A Escola em seu primeiro ano contava com 900 alunos ávidos por conhecer a Fé Reformada.[16]
João Calvino era rigoroso na escolha dos professores, não bastavam serem bons, tinha que ser os melhores. Pessoas de toda a Europa buscavam a academia para aprender com o mestre e com os seus seletos professores.[17]
Quando Calvino morreu, “a academia contava com 1200 alunos no curso superior, além de 300 nos cursos inferiores. Calvino tinha como ideal preparar líderes para a igreja, para a sociedade e para o governo civil.”[18]
[1] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 155.
[2] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 155, 156.
[3] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 156.
[4] Vd. Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 156.
[5] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 139.
[6] Vd. Thea B. Van Halsema, João Calvino Era Assim, São Paulo, Vida Evangélica, 1968, p. 199.
[7] Thea B. Van Halsema, João Calvino Era Assim, São Paulo, Vida Evangélica, 1968, p. 199.
[8] Thea B. Van Halsema, João Calvino Era Assim, São Paulo, Vida Evangélica, 1968, p. 199.
[9] Thea B. Van Halsema, João Calvino Era Assim, São Paulo, Vida Evangélica, 1968, p. 199, 200.
[10] Theodoro de Beza, A Vida e Morte de João Calvino, Campinas, SP, LPC, 2006, p. 102.
[11] Theodoro de Beza, A Vida e Morte de João Calvino, Campinas, SP, LPC, 2006, p. 102.
[12] J. H. Merle D’ Aubigné, Seja Cristo Engrandecido – o Ensino de Calvino para Hoje, São Paulo, PES, 2008, p. 25.
[13] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 127.
[14] Vd. Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 127.
[15] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 128.
[16] Vd. Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 128,129.
[17] Vd. Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 128.
[18] Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo, LPC, 1985, p. 128..
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