Pular para o conteúdo principal

Secularização – desafio da igreja moderna



A palavra secularização tem seu significado definido pelo Aurélio, da seguinte forma: [De secularizar + -ção.] S. f. 1. Ato ou efeito de secularizar(-se). 2. Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas filosóficas e instituições leigas. 3. Transferência de um bem clerical a uma pessoa jurídica de direito público. 4. Tomada de terras e bens da Igreja pelos nobres, ocorrida durante a Reforma Protestante. Os Guinness a define o termo como sendo o “processo pelo qual a influência decisiva de idéias e instituições religiosas foi neutralizada em sucessivos setores da sociedade e cultura, tornando menos significativas as idéias e, mais marginais, as instituições religiosas. Em especial, ele se refere a como nossa consciência e modo de pensar modernos são restritos ao mundo dos cinco sentidos.”[1]

A segunda definição do Aurélio e a definição de Os Guinness são bem apropriadas. Secularização é o arrefecimento da ação da igreja nas instituições humanas. É o desaparecimento da influência da igreja no âmbito secular. É o acomodamento da igreja ao mundo com seus costumes pagãos e idiossincráticos. A igreja se molda a tal ponto, que passa a ser considerada uma peça comum de uma grande máquina social. “Não é necessário parar para explicar exatamente por que isso aconteceu. Resumindo, cada vez uma menor parte da vida tem sido deixada para Deus, para o acaso ou à espontaneidade humana, enquanto cada vez maior parte da vida foi classificada, calculada e controlada pelo uso da razão – pela ciência e tecnologia. O que mais importa é reconhecer que a secularização afeta os crentes religiosos tanto quanto afeta os ateus e agnósticos. A mesma ampla assembléia de planos e procedimentos que usamos para lançar um astronauta à lua ou lançar no mercado um novo chip de computador pode ser usada para ‘crescimento de igreja’ ou para ‘evangelizar um povo não alcançado’. Em suma, o mundo moderno literalmente ‘se gerencia sem Deus. Podemos fazer tantas coisas tão bem por nós mesmos que não há necessidade de Deus, nem na igreja.”[2]

A secularização esfria a alma. É uma doença silenciosa que faz muito barulho e estraçalha a sociedade. É uma patologia degenerativa que nos corrói de dentro para fora e, quando nos damos conta, já se foi o nosso vigor, nossa vida e esperança. A secularização é um câncer social, que tem que ser extirpado com destreza e feroz urgência.

A sociedade tem colhido os frutos desse tumor maligno; é namorado que tira a vida de sua namorada “por amor”. Que amor é esse que tira a vida de quem amamos? É filha que mata os pais por dinheiro e por amor ao namorado. Que amor é esse que não ama quem nos gerou? São mães que jogam seus filhos na lata de lixo. Que amor é esse que se desfaz de uma vida que foi nutrida dentro de nós como se fosse uma casca de banana lançada ao entulho?

A sociedade moderna expulsou Deus de sua vida e se colocou no lugar. O resultado disso? Um mundo sem absolutos de qualquer esfera. Quando não tem com quem prestar contas, não há divida a ser paga. Em 1907, alguns cidadãos pensadores, filósofos, matemáticos, banqueiros se reuniram para falar sobre religião, Tallks on Religion (Conversas sobre religião). Eles discordavam em diversos assuntos, no entanto entraram em consenso, pelo menos em uma coisa, “a sociedade estava progredindo por meio da ciência e da educação universal para um futuro moralmente melhor”. [3] John Dewey, nos Estados Unidos, compartilhava desse otimismo em seus escritos teóricos da educação. “Ele dizia que a nova educação que fomentava era ‘a garantia de uma sociedade mais ampla, que é digna, atraente e harmoniosa’, que também tinha ‘em si o poder de criar uma inteligência experimental livre que realizará todos os esforços necessários neste mundo complexo e confuso no qual nós, e todos os outros povos modernos, somos obrigados a viver.’”[4]

Parece que o grupo de 1907 e John Dewey estavam errados, pois o século 20 “foi o mais sangrento e brutal da história humana, e não por falta de educação. As pessoas que ordenavam e executavam os massacres, holocaustos e limpezas étnicas eram, muitas vezes, muitíssimo cultas e refinadas. Os judeus nos campos de concentração tinham de executar peças de Bach para o deleite de seus algozes, antes de serem levados às câmaras de gás”.[5]

John Dewey escreveu seu Manifesto Humanista em 1933, pouco antes da 2ª guerra mundial. Em sua declaração, ele diz: “O homem está finalmente se tornando consciente de seus sonhos, de que possui em seu interior o poder para torná-lo real”. [6] Parece que a história nos mostra uma realidade diferente. É necessário relembrar as lições[7] do século 20 para confirmamos que o mundo não melhorou e que a solução não está nos homens, pois é o próprio homem que destrói o outro. Não é o homem com seu egoísmo que concentra riquezas em detrimento de países inteiros cujos habitantes morrem de fome e carecem de saúde e de manutenção básica?

A secularização é essa praga que ilude o homem, fazendo-o acreditar que pode viver sem Deus. O pior disso tudo é que a secularização não respeita fronteiras. Ela já entrou na igreja de maneira avassaladora e arrasou os corações de muitos que professam ser cristãos.

Certa vez, Os Guinness encontrou um empresário australiano que declarou: “‘sempre que conheço um líder budista, estou diante de um homem santo em contato com outro mundo. Quando conheço um líder cristão, estou diante de um dirigente à vontade somente neste mundo em que eu também estou à vontade’”. [8] Que tristeza! A secularização arrebatou a alma de muitos incautos e os levou a acreditar que somos do mundo e pertencemos a ele. Diferentemente, Jesus declara: “Eles não são do mundo, como também eu não sou” (Jo 17.16). “A espiritualidade, para seguidores de Cristo, é questão de um mundo diferente com realidade, energia, possibilidades e prospectos diferentes.”[9]

Queridos, o mundo moderno é altamente secularizado e pretende a todo instante reafirmar sua postura atéia. Nesse contexto de descrença e aridez moral, precisamos reafirmar nossas convicções e compromisso com Deus. Só uma igreja forte, que tem consciência de seu papel de agência do Reino de Deus, poderá minimizar os efeitos destruidores de um mundo autônomo e vil.

Não podemos deixar que o mundo dite as normas que devemos seguir e no que devemos crer. A ciência, apanágio da modernidade, não trouxe paz e nem cura para sociedade doente e efêmera. As guerras, doenças e subcondições de muitos que habitam esse mundo mostram que o homem é o mesmo de sempre: pecador e desobediente, pois não há quem faça o bem![10]

Uma parábola russa nos ajuda a entender o que é negociar com o mundo e entrar em acordo com o inimigo: “Um caçador estava mirando um urso quando o urso falou "Não é melhor falar do que atirar? O que é que você quer? Vamos negociar." Baixando a espingarda o caçador falou "Eu quero um casaco de pelo de urso para me cobrir." "Bom, esta é uma questão negociável" falou o urso. "Eu apenas quero um estômago cheio. Vamos negociar." Depois de algum tempo falando, o urso voltou sozinho para a floresta. As negociações foram um sucesso. Cada um recebeu o que queria. O urso conseguiu seu estômago cheio e o caçador ficou coberto de pêlo de urso. Entrar em acordo raramente satisfaz ambos os lados igualmente. Na negociação com nosso inimigo, ele promete o que nós queremos, mas apenas pretende levar o que ele quer - a nossa alma. Você está tentando entrar em acordo ou negociar com o inimigo?”[11]

Caríssimos, “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 Jo 2.15).

Deus nos livre da secularização!
Rev. Ricardo Rios Melo.





[1] Os Guinness, O Chamado – Uma iluminadora reflexão sobre o propósito da vida e o seu cumprimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 162.
[2] Os Guinness, O Chamado – Uma iluminadora reflexão sobre o propósito da vida e o seu cumprimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 163.
[3] John Hare, Por que Ser Bom? Uma reflexão sobre a filosofia moral, São Paulo: Vida, 2002, p.42.
[4] John Hare, Por que Ser Bom? Uma reflexão sobre a filosofia moral, São Paulo: Vida, 2002, p.43.
[5] John Hare, Por que Ser Bom? Uma reflexão sobre a filosofia moral, São Paulo: Vida, 2002, p.43.
[6] John Dewey in: John Hare, Por que Ser Bom? Uma reflexão sobre a filosofia moral, São Paulo: Vida, 2002, p.44.
[7] Vd. John Hare, Por que Ser Bom? Uma reflexão sobre a filosofia moral, São Paulo: Vida, 2002, p.44.
[8] Os Guinness, O Chamado – Uma iluminadora reflexão sobre o propósito da vida e o seu cumprimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 163.
[9] Os Guinness, O Chamado – Uma iluminadora reflexão sobre o propósito da vida e o seu cumprimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 163.
[10] Vd. Rm 3. 9- 18
[11] Michael Green, Illustrations for Biblical Preaching (Ilustrações Para Pregação Bíblica), Grand Rapids: Baker, 1989 - Terence Patterson em James S. Hewett, “Illustrations Unlimited” (Ilustrações Ilimitadas) (Wheaton: Tyndale House Publishers, Inc, 1988) p. 113. In: http://www.hermeneutica.com/ilustracoes/acomodacao.html

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Sem lenço e sem documento” – uma análise do crente moderno

“Sem lenço e sem documento” – uma análise do crente moderno Por: rev. Ricardo Rios Melo Essa frase ficou consagrada na canção de Caetano Veloso, “Alegria, Alegria”, lançada em plena ditadura no ano de 1960. A música fazia uma crítica inteligente ao sistema ditatorial e aos seus efeitos devastadores na sociedade da época. Era um período difícil em que falar contra o regime imposto era perigoso e, em muitos casos, mortal. Destarte, a minha intenção é usar apenas a frase da música “sem lenço e sem documento”. Essa expressão retrata a ideia de alguém que anda sem objetos importantes para sair de casa na época da escrita. Hoje, ainda é importante sair com o documento de identidade. Alguns acrescentariam celular e acessórios; contudo, a identificação de uma pessoa ainda é uma exigência legal. Andar sem uma identificação é sempre perigoso. Se uma autoridade pará-lo, você poderá ter sérios problemas. É como dirigir um carro sem habilitação. Você pode até saber dirigir, mas você

“Águas passadas não movem moinho”

“Águas passadas não movem moinho” Por Rev. Ricardo Rios Melo Esse ditado popular: “Águas passadas não movem moinho” é bem antigo. Retrata a ideia, como diz minha sabia avó, de que, quando alguém bate em sua porta, você não pergunta: “quem era?”; antes, “quem é”.   Parece mostrar-nos que o passado não tem importância ou, pelo menos, não deve ser um obstáculo para andarmos para frente em direção ao futuro. É claro que o passado tem importância e que não se apaga uma história. Contudo, não devemos exagerar na interpretação desse ditado; apenas usá-lo com o intuito de significar a necessidade de prosseguir em frente, a despeito de qualquer dificuldade que se tenha passado. Apesar de esse adágio servir para estimular muita gente ao longo da vida, isso parece não ser levado em conta quando alguém se converte a Cristo. É comum as pessoas falarem: “Fulano se converteu? Não acredito! Ele era a pior pessoa do mundo. Como ele pôde se converter?” O mundo pode aceitar e encobrir e

“Como se não houvesse amanhã”

“ Como se não houvesse amanhã” Rev. Ricardo Rios Melo Existe uma música, da banda de rock brasileira Legião Urbana, escrita por Renato Russo, que em seu refrão diz: “ É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há .” Essa letra tem nuances contextuais e um grande aspecto introspectivo. Apenas me fixarei no belo refrão. Acredito que Renato Russo estava correto em afirmar que precisamos amar as pessoas como se o amanhã não existisse. A Bíblia fala que o amanhã trará o seu próprio cuidado: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mt 6.34). Parece-nos que a Bíblia, apesar de nos falar da esperança e da certeza da vida futura, nos chama a viver o hoje: “antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” ( Hb 3.13). Ao citar o Sl 95, o autor aos Hebreus ex