Corpos descartáveis: uma
breve análise de uma sociedade perversa
Rev. Ricardo Rios Melo
Estamos em fevereiro ainda, mas já passou o
carnaval. Carnaval, para algumas pessoas, é sinônimo de “pegação”. Pegação é uma gíria
popular para “azaração”, que é outra
gíria para “ficar” que significa ter
relações sexuais com pessoas estranhas ou conhecidas sem compromisso.
A ideia é
simples: beijar e se agarrar com desconhecidos e, se possível, fazer sexo “seguro”
sem a segurança de que depois ficarão juntos para sempre. Aliás, juntos para
sempre é démodé para esse grupo.
Olhando os programas dos canais fechados ou
abertos da televisão, é nitidamente comprovado que o sexo saiu do antigo tabu para
a banalidade. Muita gente faz sexo como um compulsivo por doces chupa uma bala
e descarta o papel. Não se tem critério algum.
Aplicativos de encontros foram criados para
pessoas que querem o famoso sexo casual: sem compromisso. Casais casados (nos
moldes antigos) estão aderindo ao relacionamento aberto com consentimento ou
não. Há até acusações, não sei se fundamentadas ou não, sobre um possível incesto
no Big Brother Brasil. Incesto em alguns países e pelo pensamento de esquerda
evolucionista é uma construção judaico-cristã.
Estamos caminhando para uma sociedade onde as famílias
tradicionais são questionadas e atacadas, pois fazem parte de um velho mundo de
velhos tabus, dizem os adeptos do culto ao sexo. A ordem é: quebrar com tudo o que é antigo, sagrado, fechado e, segundo eles, arcaico.
A antiga psicanálise, que também é muito combatida
por diversos grupos, diz que a estrutura perversa é aquela que se fixa no
objeto e não no todo. Ela tem fixação pela parte. Um exemplo prático é o
fetichista que só consegue encontrar prazer em uma parte do corpo do outro. Um podólatra,
exemplificando, só consegue ter prazer se o pé do outro tiver atrativos para
ele. O sadomasoquista só encontra prazer torturando; o masoquista, sofrendo, e
assim por diante.
A psicanálise freudiana distingue o fetiche dos
fetichistas da seguinte forma: o neurótico brinca com o fetiche, mas consegue
ter prazer sem ele. Mas, o perverso da psicanálise só tem prazer se o elemento
fetichista estiver no jogo. Portanto, o neurótico pode ter relações sexuais sem
que alguns elementos fetichistas estejam presentes, mas o perverso não consegue
ter uma relação prazerosa sem o fetiche.
A perversão dentro da psicanálise é considerada o obscuro
do ser humano. Para termos uma ideia, o sociopata também está enquadrado na
estrutura perversa. O sociopata vê o outro como um objeto descartável. Ele só
pensa no seu prazer egoísta. Não há cuidado, interesse ou compaixão pelo outro.
O outro só existe para satisfazer seus desejos.
O conceito de perversão da psicanálise se enquadra
bem no que estamos vivendo: sexo sem compromisso e indiscriminado, banalizado,
mulheres e homens mostrando seus corpos nus ou seminus, sexo explícito em programas
de televisão, jovens e adultos mostrando suas fotos nuas em aplicativos, pessoas
de todas as idades que não veem problema em filmarem suas relações íntimas e
postarem na internet. Parece que rejeitaram o Deus cristão e abraçaram o deus
romano Baco.
Um passeio pelas ruas de Salvador depois do carnaval
é uma visão tétrica: preservativos nas ruas, cheiro insuportável de urina e
fezes, pessoas ainda na quinta-feira jogadas no chão totalmente embriagadas. Homens
e mulheres desfilando quase nus perto do Farol é uma cena normal para uma
sociedade adoradora de Baco.
Para o perverso, o corpo é descartável. Ele só tem
sentido no prazer imediato e transitório. Esse arrazoado pode ser erroneamente criticado
como moralista religioso. Bom, não nego meus óculos cristãos reformados de
enxergar a realidade. Contudo, espero que você reflita que uma relação amorosa
é mais que o entrelaçar de corpos, mas é um entrelaçamento de almas.
O corpo só tem o direito de ter prazer se a alma participar,
pois sem a alma ele estaria morto. O ser humano é um todo unificado, portanto o
que você faz com seu corpo reflete para eternidade.
Usar o outro como um chiclete que quando perde o
gosto se cospe fora, não foi o propósito de Deus para a sexualidade humana.
Deus deu o prazer ao ser humano para ser usufruído dentro dos seus princípios. Pensem,
poderíamos ser como animais no cio que copulam apenas para procriarem. Contudo,
Deus nos deu prazer e colocou em nosso coração o amor.
Poderíamos ver tudo em preto e branco, mas vemos
cores. Poderíamos não sentir gosto algum, mas Ele nos deu paladar. Poderíamos ter
apenas uma relação fútil, fugaz, descartável, mas Ele nos deu a capacidade de
amar.
Essa capacidade de amar não se encontra nos
perversos, pois eles só conseguem amar a si mesmos. São ególatras e usam os
outros para seus fetiches.
Querido leitor, vá além do que estou dizendo! Pensem
nessa sociedade descartável. Os valores estão virando descartáveis e
relativizados; e o outro, usando uma palavra que pedagogos gostam de usar,
coisificados. A objetização do outro é um rumo sem volta.
Quando pensamos que o outro só existe para os
nossos prazeres, perdemos a ideia do coletivo, do próximo e da sociedade.
Quando olhamos para outro como algo e não como
alguém, estamos caminhando para o fim da sociedade. Pois, para sermos uma sociedade,
é necessário respeito mútuo e apreço pelo outro. A utilização do outro para
nossos prazeres egoístas é como um psicopata que descarta um corpo em uma vala
qualquer.
As mulheres que lutaram por respeito são despersonalizadas
por músicas cantadas e compostas por mulheres – foram partidas, despedaçadas e
reduzidas à uma parte do corpo ou partes do corpo. Músicas que apelam para
exposição do corpo e insinuação de sexo são ovacionadas por uma sociedade do
descarte, da desova.
Essa é uma sociedade do desejo, do desejo pessoal
e da fome de satisfação canibal. “Hannibal”[1]
com toda sua poesia não poderia ser mais sádico do que isso: usar e descartar. Ao
menos “Hannibal”, com toda sua loucura canibal, buscava alimentar-se das
qualidades do outro. Essa sociedade quer apenas o invólucro, o corpo sem
qualidades, sem alma, sem personalidade, apenas um corpo descartável na Bahia
sem santos, no Rio sem o Cristo, no mundo sem o Redentor.
“Rogo-vos pois, irmãos,
pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”. Rm 12:1
Rev. Ricardo Rios
Melo
[1]
“Hannibal Lecter é um célebre personagem de ficção criado pelo escritor Thomas Harris, que apareceu pela
primeira vez no livro Dragão Vermelho, de 1981. No cinema,
Hannibal estreou no filme Manhunter, de 1986, interpretado por Brian Cox, mas, foi apenas
no filme O Silêncio dos
Inocentes, de 1991 que a
personagem, desta vez interpretado por Anthony Hopkins, ficou famoso.
Mais três filmes e três livros sobre o médico canibal foram produzidos” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Hannibal_Lecter
- acesso em 17/02/2018).
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