Os “desigrejados” dentro da igreja - É o hábito que faz o crente ou
crente que faz o hábito?
Rev. Ricardo Rios Melo
É perceptível a fraqueza
espiritual que vivemos em nossas igrejas. Uma religiosidade “socialite” ou para
usarmos a palavra da moda, “cristianismo caviar”. Parece que muita gente se conforma com o simples
fato de uma religião de adesão e de contrastes: “sou crente, não sou católico”,
“sou crente não sou...”
Quando somos definidos pelo antagônico,
perdemos a tão almejada identidade, pois quem nos garante que o outro permanece
estático? Como tomar por referência o outro se o outro não sabe quem ele é?
Na era chamada líquida, por Zygmunt
Bauman, os conceitos são voláteis. A não solidez é permanente; e a única
imobilidade é a própria mobilidade. Como propor posição em contraposição?
O século passado, o século XX,
foi denominado, por Eric Hobsbawm, como a era dos extremos. Em sua análise, a
história do século XX pode ser vista por períodos de catástrofes que vai de
1914 até a segunda guerra mundial, depois 25 anos da chamada era de ouro que
vai até 1970.
O historiador Paul Johnson inicia
seu livro sobre o século XX com a afirmação de que o pavimento do pensamento do
século XX foi forjado por alguns matizes psicológicos, filosóficos e científicos.
Falando da construção psíquica, ele pontua a influência de Freud:
A consciência individual, que se localizava bem no centro da ética
judaico-cristã e que era a mola propulsora principal das conquistas
individualistas, foi descartada como mero mecanismo de defesa, criado
coletivamente para proteger a ordem civilizada da agressividade dos seres
humanos. O freudianismo podia ser muitas coisas, mas se tivesse uma essência,
esta seria a descrição da culpa” (Paul Johnson, Tempos Modernos, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército: Instituto
Liberal, 1994, p. 9).
Johnson entende que o relativismo moral ganha
força na proposta de Freud, se apodera da descoberta científica da teoria da
relatividade proposta por Einstein, e ganha poder no discurso materialista de Karl
Marx:
Marx, Freud, Einstein, todos transmitiram a mesma mensagem
para a década de 20: o mundo não era o que parecia ser. Os sentidos, cujas
percepções empíricas moldaram nossas ideias de tempos e distância, certo e
errado, lei e justiça, e natureza do comportamento do homem em sociedade, não
eram confiáveis. Além disso, a análise marxista e freudiana se juntaram para
minar, cada uma á sua maneira, o sentimento de responsabilidade pessoal e de
dever para com o código da verdadeira moral, que era o centro da civilização
europeia do século XIX. A impressão que as pessoas tiveram dos ensinamentos de
Einstein, de um universo em que todas as medidas de valor eram relativas,
servia para confirmar essa visão – ao mesmo tempo desanimadora e estimulante –
de anarquia moral (Paul Johnson, Tempos
Modernos, Rio de janeiro: Biblioteca do Exército: Instituto Liberal, 1994,
p. 9).
A moral judaico-cristã não só foi substituída
como foi colocada, segundo a compreensão de Johnson, no patamar de recalque por
Freud, anticientífica e indesejada pela aplicação errônea da ciência de Einstein[1]
na esfera moral, e combatida ferozmente pela “religião” marxista com a conceituação
de alienação.
É inegável a secularização da
religião. As pessoas estão cada vez mais secularizadas e picadas pela mosca
azul da modernidade. Nancy Pearcey, herdeira do pensamento de Francis Schaeffer,
avalia em seu livro Verdade Absoluta, publicado no Brasil pela editora CPAD,
que a contemporaneidade criou a dicotomia: fato/valor. Aquilo que é científico,
palpável, verificável e digno de discussão são os fatos. Esses fatos só podem
ser verificados pela ciência.
A religião foi soterrada de
maneira conceitual ao ser chamada de valor. Ao denominar a religião de valor, a
modernidade coloca a religião como moralidade individual, subjetiva e
inquestionável sob o ponto de vista do outro. Já que a religião é subjetiva,
ela pertence ao sujeito que afere valor a ela por intermédio de seus valores
subjetivos, ou seja, não pode ser verificada com olhos objetivos e factuais. Portanto,
cada um tem a sua ou não tem e a amizade continua.
Bom, o ditado original: não é o
monge que faz o hábito, que foi usado no título de maneira modificada, quer
dizer que não devemos julgar as pessoas pelas aparências. Contudo, o
cristianismo usa o critério objetivo das Escrituras para fazer esse escrutínio.
Por mais antiquado que seja o
posicionamento judaico-cristão para os autointitulados pós-modernos, os
critérios são objetivos: pelos frutos se conhece a árvore (Mt. 7.16, Lc 6.44). Os cristãos não usam a dicotomia fato/valor. Os
fatos são fatos porque Deus diz que são. Ser espiritual na ideia cristã é viver
no Espírito em todas as esferas da vida factual (1 Co. 10. 31-33).
Você poderá me perguntar qual o
motivo desse resumo bem rápido do século XX. É que você tem usado a roupa
(hábito) do monge moderno ou se preferir, pós-moderno. Você tem vivido uma vida
e uma religião alienante, no sentido marxista. Culposa, no sentido freudiano. Relativista,
na ideia equivocada da aplicação científica da teoria da relatividade dentro da
esfera moral, chamado de relativismo.
A grande sacada do nosso século
não são as lutas declaradas e discursos inflamados dos profetas secularistas ou
religiosos, o grande golpe contra o cristianismo começou com a mudança da
percepção do que é o homem e de seu objetivo no mundo. A grande batalha foi
travada não por armas bélicas, mas por armas ideológicas e fundantes de um
pensamento que está implodindo a igreja visível. A mudança, nos dizeres filosóficos, foram epistemológicas;
naquilo que os reformados chamam de cosmovisão. A pós-modernidade construiu um
Deus evanescente. A ideia de Deus se perdeu no Delírio de Richard Dawkins. Colocar
a religião no patamar do inatingível e, portanto, não discutível, criou a
possibilidade de extirpá-la sem enviar uma única bomba sequer.
Quando esses conceitos são apenas
da academia e dos doutores do saber, isso parece não fazer sentido aplicativo
ou pragmático. Contudo, ao olhar a espiritualidade da igreja hoje, não é difícil
enxergar que os “crentes” tomaram banho na fonte da modernidade. O pós-modernismo
teve sua origem mais rápida e direta da modernidade. O plano estratégico para
destruição do cristianismo foi imiscuir os pensamentos – a síntese hegeliana
tomou forma sólida na liquidificação pós-moderna.
Na era do esvaziamento do
sentido, não faz sentido buscar sentido nas coisas. A busca pelo individualismo
cristão e de uma espiritualidade mística, que não pode ser verificada pela
simples aferição bíblica, é comum nas igrejas: “ninguém deve julgar o outro”. Essa
frase traduzida é a seguinte: religião é valor individual, portanto, ninguém pode
verificá-la. Os fatos foram separados dos valores: “quem sou eu para julgar o
outro?”. Essa pergunta é simplesmente retórica. O significado dela é: eu sou
como ele, portanto não devo julgá-lo. Se essa fosse uma pergunta séria, ela
levaria o sujeito a se perguntar quem ele é e, portanto, diante da resposta, a
autoridade para jugar ou não. A resposta bíblica é simples: quem julga é Deus,
por intermédio objetivo de Sua Palavra (Rm 2.14-16).
Quando alguém diz que
precisamos tornar a igreja relevante, ele já foi atingido pelo pragmatismo
pós-moderno. Se a relevância da religião não é ontológica, ela não pode e não
será de uma forma explicitada. A verdadeira religião, ela é implícita, mas é
conhecida pela exposição dos nossos pensamentos e ações.
Nesse tempo líquido, olhar para
o outro para saber quem eu sou é como olhar um holograma e tentar pegá-lo. Saber
quem somos olhando para o outro é extremamente arriscado em nossa época. Mas,
por outro lado, olharmos para nós mesmos pensando que encontraremos as repostas
é como pedir para uma máquina que ela pense de maneira autônoma – somos frutos
de uma árvore chamada tempo histórico. Portanto, pensamento autônomo não
existe.
Qual será a solução então? Voltarmos
para a palavra da moda. Voltarmos para o que é aquilo que se denominou de perene. A única coisa que é perene, ou
seja, permanece, é a Palavra de Deus: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de
passar” (Mt 24. 35).
Querido, quando você transforma
o cristianismo em uma religião de domingo, você abraçou o secularismo moderno. Transformou
a religião em algo sem sentido, sem valor aplicativo. O cristianismo muda não
só as ações, mas o pensamento; a cosmovisão. A religião é relevante em si mesma, pois ela
modifica o pensamento. O pensamento é o campo principal de batalha. Devemos renovar
nossas mentes (Rm 12.1-3). Renovando o pensamento renovaremos nossas atitudes
(Rm 12-15).
Olhe para a era dos extremos. Olhe
para os tempos modernos. As mudanças foram visíveis e palpáveis, mas a
construção dessas mudanças começaram no divã de Freud, nos gabinetes dos filósofos
como Kant, Hegel. Nas elucubrações fantasiosas de Marx, nas pesquisas cientificas
de Einstein. Acorde, irmão! Se você quer saber quem você não é pelo outro, precisa
saber que hoje não sabemos nem mais o que é o outro, pois a liquidez do
pensamento, da moral e dos costumes chegou.
Irmãos, querem saber quem são vocês?
Olhem para as Escrituras! Parafraseando Calvino, quer saber quem és? Conheça a
Deus e se conhecerá!
O hábito não faz o monge, mas a
prática revela o crente! Tem se falado muito sobre os desigrejados, mas temos
muitos desigrejados dentro da igreja. Vão à igreja, mas deixaram a alma em
casa. Dizem que amam a Deus, entretanto, o principal sacrifício que fazem: o sacrifício
da vida, é para o mundo! Gastam seu tempo, dinheiro, saúde, pensamento e ações
no que é perecível; onde a traça e a ferrugem corroem (Mt 6.19). Ah, querido! Eu
acho que sua religião está enferrujada!
“Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as
obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas
minhas obras” Tg 2:18.
Deus nos abençoe!
Rev. Ricardo Rios Melo
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