Mergulhando de boia
Imagine
a seguinte cena: um mergulhador faz o curso de mergulho; na hora em que ele é
convocado para mergulhar, contudo, ele diz que só vai cair na água se tiver uma
boia amarrada em cada braço.
Qualquer
pessoa que já entrou no mar sabe que uma boia flutua. Portanto, esse mergulhador
não descerá fundo. Essa imagem é o retrato de muitos cristãos protestantes de
hoje. Matricularam-se no curso do cristianismo, mas, na hora de mergulhar, só
entram se amarrarem boias em seus braços.
Há
visualmente uma queda na qualidade da igreja ou uma evasão de jovens quando
esses entram na universidade. Os motivos poderiam ser destacados de diversas
formas: sociológicas, psicológicas, filosóficas. Entretanto, a minha ênfase
será epistêmica, cosmológica, não deixando de enxergar os aspectos
circundantes.
Poderíamos
entender esse aspecto do esfriamento ou abandono da fé dentro da linha do
cientificismo moderno. Quem sabe reportando a velha ideia de que a religião
pertence a outro campo que não é inteligível e, portanto, intocável e
dissociado de qualquer possibilidade de ser perscrutado pelo juízo humano.
Os cristãos que desvanecem na fé ou evadem ao
menor sinal de uma onda mais forte foram picados pelo discurso cientista: a
ciência toma lugar de Deus.
Para o inventor da psicanálise, Sigmund
Freud, a religião é uma invenção do humano para dar conta do que não consegue
lidar ou explicar. Freud, em o Futuro de uma Ilusão (2010, p. 71, 72),
entendia a religião como um modelo infantil de lidar com o imponderável,
desconhecido e fora do controle:
[...] o motivo do anseio pelo pai é idêntico à
necessidade de proteção contra as consequências da impotência humana; a defesa
contra o desamparo infantil empresta seus traços característicos à reação
contra o desamparo que o adulto é forçado a reconhecer, reação que é
precisamente a formação da religião.
Considerando
essa afirmação nesse arrazoado, a religião, em muitos casos, tem se prestado a
esse serviço: explicar o inexplicável, dando respostas que estabilizam o
sujeito portanto.
Ao
entrar na universidade, os jovens teriam outras respostas que satisfariam
melhor seus anseios e questões do que a tão combatida religião.
Raciocine
comigo: para que alguém continuará firme em um pensamento tão combatido e discriminado
se a proposta que lhe é dada traz como presente a aceitação social e a
possibilidade de soltar as amarras morais?
Imagine
um jovem que pode fazer tudo o que os outros jovens fazem sem ter o peso da
culpa em sua consciência? Afinal de contas, segundo ele, fora enganado toda sua
vida por respostas insatisfatórias que amordaçaram sua juventude.
Para termos uma ideia dessa guerra científica
pelo terreno da mente humana, recentemente, o papa Francisco declarou que a
teoria do Big Bang não é incompatível com a fé cristã.
O papa Francisco afirmou ontem, durante discurso na
Pontifícia Academia de Ciências, que a Teoria da Evolução e o Big Bang são
reais e criticou a interpretação das pessoas que leem o Gênesis, livro da
Bíblia, achando que Deus “tenha agido como um mago, com uma varinha mágica
capaz de criar todas as coisas”. Segundo ele, a criação do mundo “não é obra do
caos, mas deriva de um princípio supremo que cria por amor”. “O Big Bang não
contradiz a intervenção criadora, mas a exige”, disse o pontífice na
inauguração de um busto de bronze em homenagem ao papa Emérito Bento XVI (http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2014/10/29/interna_tecnologia,584588/papa-ve-teoria-do-big-bang-como-correta.shtml - acesso em 30/10/2012).
Um detalhe importante
é que o antecessor de Francisco, o papa Bento XVI, acreditava na teoria do design inteligente: há um projeto
inteligente na criação do universo.
Importante
percebermos que há uma tentativa de aproximação sintética entre o pressuposto
naturalista da ciência e a religião. Contudo, o papa Francisco exclui o poder
divino de criar do nada ex nihilo. Parece que realmente a
religião tornou-se um tabu como Freud alardeava.
Gene Edward Veith
Jr descreve o ambiente universitário moderno de forma impressionante:
Às
vezes, parece que a consideração da verdade religiosa pode ser o único tabu de
uma sociedade permissiva. Flannery O’Connor escreveu que as duas coisas que não
poderiam ser mencionadas na universidade de Kansas, minha alma mater a propósito, eram ‘uísque e religião’. Hoje, o uísque é
aceitável nos campus das universidades, mas a religião ainda é controversa.
Numa história curta, uma das personagens de O’connor exibe esse puritanismo
religioso: ‘Jesus Cristo na conversa a deixa encabulada do mesmo modo que o
sexo deixava sua mãe” (VEITH, 2006, p.
49)
Os ataques do
pensamento cientificista na universidade e o dualismo cristão: fé x razão são
armas de gelo em direção a um crente que usa boias. O curioso dessa batalha é
que alguns pensadores acreditam que o discurso científico tem levado muitas
pessoas ao oposto: a “religião de magia”.
Tendo em vista que a ciência não consegue responder a todas as demandas,
muitos acorrem para as religiões de trocas simbólicas e soluções mágicas.
O cristianismo
protestante histórico sempre teve uma relação saudável com a ciência e jamais
se assustou com as descobertas científicas, pois entende que foi o próprio
cristianismo que libertou o homem da ideia pagã de que a natureza era divina e
intocável. O pensamento bíblico libertou o homem antigo da inviolabilidade da
natureza:
Os
fantasmas que transformavam a natureza em objeto de temor e tabu tinham sido
banidos. Como resultado, a natureza poderia ser vista de maneira diferente.
Como criação de Deus que, depois de ver tudo que fizera, declarou que era
‘muito bom” (Gn 1.31) - ( VEITH, 2006, p. 49)
O crente que
mergulha com boias não sabe que a ciência é serva do homem, pois foi dada por
Deus. A questão é que a fé ela sempre transpassará a ciência no movimento
suprarracional. A fé não é incompatível com a ciência e, ao mesmo tempo, não é
sintética.
Os crentes que usam
boia precisam de uma metodologia humana para aceitar o que Deus diz que só pela
fé podemos entender. Isso não significa que a fé é irracional, mas, que sem fé
não poderemos entender.
Agostinho (354-430) já entendia que
precisamos crer para entender. Portanto, é pela fé que entendemos que o mundo
foi criado do nada: “Pela fé, entendemos que foi o universo
formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das
coisas que não aparecem” Hb 11.3.
Infelizmente,
queridos, o crente precisa fazer o que Joshua Harris escreveu em seu livro “Cave
Mais Fundo”.
Muitos cristãos têm
perdido a fé por não tirarem as boias dos braços. Ficam o tempo todo na igreja
mergulhando em piscinas de bebê. Quando são confrontados com o mundo, são
engolidos pelo secularismo, frieza e apostasia. Não procuram estudar a Bíblia e
nem se aprimorarem na cosmovisão cristã.
Tire as boias! Mergulhe
fundo e você encontrará um oceano tão vasto e profundo: “...as insondáveis
riquezas de Cristo” (Ef 3.8).
Que Deus te empurre
na profundeza da água sem boias, pois Ele é o nosso sustento!
Rev. Ricardo Rios
Melo
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