O apóstolo Paulo e o crente “Smirnoff”
Na história existiu
um homem que perseguia a igreja de Cristo e levava os seguidores de Jesus
arrastados para encerrá-los em cadeias: ele assolava a igreja (At 8.3). Em Atos
7.58, ele presenciou a morte de Estevão ainda quando jovem. Em Atos 8.1, há o relato
de que ele não só presenciou a morte de Estevão, mas consentiu em sua morte. A
palavra grega denota que Paulo deu sua aprovação à morte de Estevão. Um homem que vivia baseado em sua crença; em
suas convicções. Em Atos 9.1-2, Saulo pediu cartas para o sumo sacerdote para
prender “os do caminho”.
Em Atos 9.3-9, a
Bíblia relata a conversão de Saulo: “Seguindo ele
estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao
seu redor,
e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia:
Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele
perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem tu
persegues;
mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que
te convém fazer. Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a
voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se
levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela
mão, levaram-no para Damasco. Esteve três dias sem ver, durante os quais nada
comeu, nem bebeu”.
Após sua conversão, Paulo deixa de
viver do seu jeito e passa a sofrer pelo nome de Jesus. Ele mudou de
perseguidor a perseguido: “Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim
um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem
como perante os filhos de Israel; pois eu lhe
mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos,
dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te
apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio
do Espírito Santo” ( At 9:15, 16,17).
Paulo deixou
de viver para ele e passou a viver para Cristo: “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Ele deixou de viver da
sua forma e passou a viver da forma de Cristo: “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver
que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si
mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20).
O crente
Paulo decidiu deixar sua vida e o lucro desse mundo para ser servo de Cristo: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as
coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” Fp 3:8. Paulo se preocupa com os outros: “É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa
com que teu irmão venha a tropeçar ou se ofender ou se enfraquecer” Rm 14.21.
Como o
espaço é pequeno para falar da história do crente Paulo, eu passo a relatar a
história do crente Smirnoff .
Smirnoff foi
convertido há algum tempo. Ele não perseguia a igreja, mas também não tinha
grandes convicções. A profundidade de Smirnoff é de uma piscina de crianças. Nunca lutou por
nada na vida. Não perseguiu e nem foi perseguido por nada. A filosofia dele é:
“quero que o mar pegue fogo para eu comer peixe frito”. Se estiver quente, está
bom; se estiver frio, também.
Quando Smirnoff
se converteu, foi uma grande festa na sua vida. Ele ficou alegre e festejou.
Frequentava a igreja com uma pequena regularidade, mas, Smirnoff nunca gostou de fanatismo. Sua ligação com as
coisas sempre foram bem brandas. Sua profundidade filosófica, teológica,
psicológica é maior que qualquer estudioso do mundo, pois ele já leu alguns
trechos do Wikipédia. Ele tem uma maneira própria de falar sobre política,
teologia, filosofia qualquer assunto. Na verdade, Smirnoff só fala do que lhe interessa. Ele não se
preocupa com o pensamento dos outros. Academia? O pastor fez teologia? Smirnoff não se preocupa com isso, pois ele vive
teologia. O pastor estudou nos livros, Smirnoff estuda na vida. Aliás, Smirnoff
é o mais espiritual de todos os crentes,
pois ele vive do jeito dele que é o jeito correto.
Esse negócio
de história e de crentes perseguidos não interesse a ele, pois ele vive a vida
da sua forma. Importa ser ele mesmo. O outro não interessa a Smirnoff. As pessoas
só interessam quando há um interesse. Compromisso? Engajamento? Serviço? Que é
isso? Para Smirnoff, não se deve mergulhar fundo em nada, pois isso é
fanatismo. A frase preferida dele é: você não deve ligar para as opiniões dos
outros, pois “o mundo é você quem faz”.
Smirnoff não precisa ir ao culto; ele pode assisti-lo
na internet. Quando ele lê algum livro, é para reforçar o seu jeito de ser.
Mas, o que mexe com Smirnoff são os filmes, porquanto “têm mais explosão”.
Se Smirnoff pudesse encontrar pessoalmente com Paulo, ele
certamente diria: Paulo, deixa de ser tão rígido consigo mesmo e de ser tão
tradicional (At 2.42). Esse negócio de tradição de apóstolos e doutrina que foi
entregue (Rm 6.17) é coisa do passado, estamos na era do “zap zap”. Para esse
alegre crente, não é necessário sofrer pela cruz, pois isso é coisa do passado.
Ele certamente estaria no mesmo pensamento de Pedro quando disse a Jesus: “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que
lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos,
dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro
dia.
E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo,
dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim
pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”
(Mt 16-21-23).
O crente Smirnoff nunca foi intenso. Nada ele faz com
intensidade. Para não sermos injustos consigo, temos que confessar que ele é
intenso em si mesmo. Ele se alegra em ser quem ele é. Esse negócio de imagem de
Cristo em nós (Rm 8.29) é coisa ultrapassada. Ele crê que precisamos ser nós
mesmos. Para Smirnoff, várias gerações passaram: geração Coca-Cola, com a ideia
de que a vida é essa mesma: é isso aí; a geração Pepsi-cola, com a ideia de que
qualquer coisa está boa, pode ser; e agora é a vez dele, geração Smirnoff, seja
você mesmo.
Queridos, a
história do crente Paulo foi retirada da Bíblia sagrada. O crente Smirnoff foi
retirado de uma propaganda que anda circulando na TV e redes sociais e banners.
A propaganda é de uma bebida chamada Smirnoff. A mensagem da propaganda é
permeada de vários temas importantes da vida. Entretanto, segundo a propaganda,
essa geração não se preocupa: “dizem por aí que essa geração não se preocupa
com nada”. Ao final da propaganda, após dizer que essa geração desconsidera a opinião
do mundo, dos outros etc., ela termina com a seguinte frase: “só me importa ser
eu mesmo”. Em um dos banners diz: “aprendeu mais história na viagem do que na
faculdade”. O término das propagandas fala: “um brinde à vida real”.
Antes de tudo,
devemos aplaudir a criatividade da equipe de marketing. Certamente, cativou
várias pessoas que se enquadram na ideia: meu mundo sou eu. A ideia de “importa
somente eu e o outro só me importa se for importante para mim” pode parecer uma
filosofia moderna, descolada, geração hi-tech, geração pós-moderna. Contudo, é
o que chamamos de mais do mesmo. É uma geração ególatra, hedonista prática,
onde a própria existência é única possível e é sempre a mais desejável. A única
opinião possível é a própria. A única realidade possível é a autocriada. A
história vivida é melhor que a história contada.
Certa feita, ouvi
de um excelente professor que a experiência de uma vida é sempre pobre
comparada a experiência de várias vidas lidas em vários livros. Aa pessoa que
só tem sua experiência só tem a experiência de uma vida para contar; diversos
autores têm histórias de várias vidas para relatar. A objeção a essa afirmação
poderia ser: é melhor tomar um milk-shake ou ler sobre ele?
O fato é que uma
boa experiência é algo maravilhoso. Por outro lado, existem várias coisas que,
pela experiência relatada em livros ou por relatos de outras pessoas, decidimos
não passar. Nem tudo é um milk-shake.
O lema do “só me
importa ser eu mesmo” não subsiste ao teste prático, pois somos responsáveis
pelo que fazemos e pelo que nos cerca. Somos moldados pela nossa relação com o
outro e com o mundo.
A tentativa de um
pensamento autônomo e inovador é uma luta inglória, pois ninguém pode ser ele
mesmo sem o outro e sem a mediação do mundo. A própria marca Smirnoff diz, em um de seus banners, a seguinte frase:
“diz que me ama, mas não mostra o histórico do chat”. Essa frase diz que para
que eu ame eu preciso ter transparência e respeito pelo outro. Seria uma frase
existencialista clássica. A única regra da filosofia sartriana é o respeito
pelo próximo. A cosmovisão desse grupo seria a ideia existencialista ateia de
Jean Paul Sartre (1905-1980). Todavia, essa ideia foge da ideia clássica
sartriana, pois dizem que essa “geração não se preocupa com nada”. Portanto,
não há motivos de se preocupar com o outro e com o que os outros pensam: o
importante é ser você mesmo.
Bom, muitas coisas poderiam
ser discutidas nesse arrazoado, mas a comparação do crente Paulo com o crente
Smirnoff mostra que escolher um jeito de viver muda tudo em nossas vidas. Entretanto,
Paulo não escolhe o novo modo de viver. Ele é convertido pelo Senhor para viver
do modo que o Senhor quer. Ele é servo; não, Senhor. Ser crente é morrer para a
própria vontade. Não podemos ser crentes do nosso modo.
Se você leu até
aqui, já deve ter chegado à mesma conclusão do meu filho de sete anos: “pai, Smirnoff
não é crente”. Pois é!
Você precisa tomar
uma grande decisão em sua vida: Ser um crente Paulo, que sabe o que é padecer
em nome de Cristo; ou ser como Smirnoff: “não se preocupa com nada”.
Lembre-se que a
nossa vida não se limita a este mundo: “Se a nossa
esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens” (1Co 15:19).
O Cristianismo é a religião da autonegação: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24).
Deus nos faça servos!
Rev. Ricardo Rios Melo
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