Penso,
logo tenho culpa.

René Descartes (1596- 1650), considerado pai da filosofia moderna,
postulou a seguinte “fórmula” filosófica: cogito ergo sumi (penso, logo existo). Esse pensamento gerou o que é denominado de racionalismo. Apesar dos pensamentos de Descartes formarem
algo de suma importância para a compreensão do pensamento moderno, não é
pretensão desse arrazoado falar sobre esse profundo assunto.
A alusão a esse ícone da filosofia se faz, por conta de sua famosa
frase: penso, logo existo. Gostaria
de trabalhar com a ideia de que todo homem pensa. Logo, todo homem sente culpa.
A ausência da culpa em qualquer ser humano, no mínimo, é um sinal de sociopatia
ou de perversão humana. O homem sem culpa é um homem desumanizado.
Talvez uma das maiores mentiras contadas ao homem pós-moderno seja
a proposta de uma sociedade sem culpa; a égide social que apadrinha o egoísmo e
aplaude o narcisismo patológico; o outro tornar-se apenas um objeto para
satisfação do meu desejo.
Quando eu não entendo que as relações humanas geram culpa e que a
culpa é a marca da humanidade caída em Adão, a minha ação tornar-se vazia do
outro e cheia de autoindulgência. A
condescendência com o próprio erro é buscada e a responsabilidade com os outros
é preterida e até rejeitada. As palavras
de Caim a Deus: “Perguntou, pois, o Senhor a Caim:
Onde está Abel, teu irmão? Respondeu ele: Não sei; sou eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4.9) tomam força em nossa jornada em busca da satisfação
pessoal. Caim não se sente culpado de
ter matado seu irmão e muito menos responsável
por ele: “sou eu o guarda do meu
irmão?”. A ausência da culpa nos animaliza. A
Bíblia relata esse assassinato implicando crescimento da maldade após a queda
adâmica.
Os detratores do cristianismo tendem a dizer que ele infunde culpa
nas pessoas, aliás, que toda religião assim o faz. De fato, o cristianismo diz
que somos culpados! Todavia, inocentados em Cristo. As únicas pessoas sem culpa
que nasceram foram: Adão e Eva, antes do pecado, e Jesus Cristo que jamais
pecou. Portanto, o que o cristianismo diz é que a culpa maior que o homem tem é
a que foi gerada da rejeição humana ao plano perfeito de Deus.
O homem como um ser moral sempre sentirá culpa. O que está acontecendo
na pós-modernidade é a respeito do que Bauman nos chama a atenção:
“A promessa de uma vida
liberta do pecado (agora renomeado como culpa) foi tão somente o projeto
moderno de refazer o mundo à medida das necessidades e capacidades humanas, de
acordo com o projeto concebido de modo racional. (...) O projeto moderno postulou
a possibilidade de um mundo humano livre não apenas de pecadores, mas do
próprio pecado; não apenas de pessoas que fazem escolhas erradas, mas da
própria possibilidade de erro de escolha. Pode-se dizer que, afinal, o projeto
moderno postula um mundo livre de ambivalência moral. E uma vez que a
ambivalência é a característica natural da condição moral, postula também o
afastamento entre as escolhas humanas e sua dimensão moral. Foi isso que a
substituição da escolha moral autônoma pela lei ética produziu na prática.”
(BAUMAN. Zygmunt, Vida em Fragmentos: sobre a ética pós-moderna, Rio de
janeiro: Zahar, 2011, p. 12, 13).
A culpa significando pecado original ou sentimento ocasionado pela
quebra do contrato divino com o homem no Éden: ela é reparada em Cristo,
portanto o cristianismo não infunde culpa, mas prega o perdão para quem se
sente culpado pelo erro e se arrepende de ter errado: “Mas
Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes” (Mt
9.12).
A ideia de culpa na conceituação psicológica não é objeto de
discussão desse texto, pois demandaria muito mais tempo, contudo, é falacioso
dizer que todas as linhas da psicologia advogam um homem sem culpa e sem dever.
O que ele faz com a culpa e o que a culpa faz com ele é o que importa para
algumas linhas da psicologia. Falar da culpa de maneira abrangente é levantar
questões subjetivas importantes, mas, impossíveis de se discutir nesse pequeno
texto.
A culpa tratada nesse colóquio é a culpa oriunda do vazio humano
ocasionado pela tentativa de autonomia de nossos pais no Éden: “Então,
disse o SENHOR Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do
bem e do mal; assim, que não
estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente” (Gn 3.22). Portanto, todo ser vivo nasce
culpado, sentindo-se vazio, faltante, incompleto. Caso isso não ocorra com
você, é preciso questionar e vasculhar sua consciência, pois culpa, no sentido
aqui tratado, significa reconhecer que a humanidade é muito mais que instintos:
é tomar consciência da lei de Deus cravada em nosso coração (Rm 2.14); é saber que
somos culpados e injustos: “como está escrito: Não há justo, nem
um sequer” (Rm 3.10) e que somente Cristo nos dá a paz com Deus, a reparação da
culpa adquirida em Adão: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo” (Rm 5.1).
Penso,
logo tenho culpa. Existo, logo sou culpado. Creio em Cristo, logo sou libertado
da culpa e da punição: “Se confessarmos
os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 Jo
1.9)”
Deus abençoe vocês querido e querida e os livre da culpa!
Rev. Ricardo Rios Melo
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