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O efeito pêndulo

O efeito pêndulo


Rev. Ricardo Rios Melo


Segundo a BBC, “um monge ortodoxo da Geórgia decidiu se isolar do mundo e morar no topo de uma rocha. Maxime Kavtaradze, de 55 anos, está reconstruindo um monastério em Chiatura, uma área remota do país. A maioria dos georgianos é ortodoxa. Cerca de 450 prédios, entre igrejas e monastérios, foram reconstruídos no país nos últimos cinco anos, com financiamento do governo. Mas, o trabalho no topo da rocha é mais difícil e já dura 13 anos. O monge leva para o alto cada uma das pedras usadas na construção.[1]”;

Essa reportagem me fez pensar na igreja moderna e seu efeito pêndulo: balançando entre as extremidades. Com o afã de agradar o mundo e seus modismos, a igreja hodierna tem se aventurado pelo insaciável caminho do entretenimento. Não é raro vermos modismos nas igrejas com intuito de agradar o público. Os líderes dizem que é a tentativa de se comunicar com o mundo. Contudo, o que podemos constatar é um processo de aculturamento e, muitas vezes, vê-se pouco dos vestígios do Evangelho.

Do outro lado do pêndulo, percebemos uma igreja apática diante da realidade. Parece muito com o mosteiro do Sr. Maxime Kavtaradze, a diferença é que não está em cima de uma rocha alta e de difícil acesso. Está distante em relação à comunicação e à sensibilidade. Outra diferença é que esses mosteiros na Geórgia fazem sucesso e atraem a atenção do mundo. O mosteiro evangélico tem afastado as pessoas de Cristo. O monge Maxime Kavtaradze tem até dado entrevistas e fortalecido a sua fé na igreja Ortodoxa. Os nossos “monges” não raramente aparecem para macular a já mal falada igreja.

A igreja moderna tem exercido fascínio e atraído multidões para seus shows “espirituais”, enquanto a igreja “tradicional” tem expulsado milhares de pessoas com sua fria indiferença. O que fazer então? Aderir ao movimento emergente que fala de uma sã doutrina e tem um culto insano? Ou continuar fingindo que a nossa igreja pouco freqüentada está passando por um breve colapso? Difícil escolha não acham?

Para avaliarmos essa questão, podemos observar alguns aspectos. Começaremos analisando o aspecto social e psicológico. As pessoas gostam de novidade. Vejam as expressões: última moda, modelo novo de carro, última tecnologia, sucessos da semana, o mais moderno... A dificuldade é que toda moda um dia vira démodé. Ela pode até voltar, mas será um revival. “A rotina cansa”, “a rotina mata” são frases atraentes para o agitado cidadão.

Outro aspecto para avaliação é a idéia de que nossa cultura é melhor do que qualquer outra. Essa soberba é chamada pelos antropólogos de etnocentrismo. Esse pensamento se torna pernicioso na avaliação do que é cultural e do que é princípio na Bíblia, pois passamos de um lado para o outro e o resultado, em alguns casos, é terrível. A afirmação de que muitos líderes de igreja interpretam a Bíblia sob o prisma da cultura moderna está longe de ser exagerada. E, sendo assim, desprezam princípios importantes e indispensáveis para o Evangelho.

Será que na época do evangelho não havia nenhum modismo? Será que não existia nenhuma pressão cultural? Seria a nossa época a pior e a melhor de todas? Não posso crer nisso à luz das Escrituras.

O apóstolo Paulo nos diz que os judeus pediam sinais e os gregos, sabedoria (1 Co 1.22). Os cultos pagãos eram regados a muita bebida e orgias, principalmente o culto a Baco.

Novamente, cabe-nos entender que também existia êxodo na igreja, pois não é sem motivos que o autor aos Hebreus exorta que o povo se congregue (Hb 10.25). Que dilema, hein? Existe a pressão dos coríntios, inclusive, dissensões, brigas, partidos e divisões litúrgicas. Paulo fala sobre isso em suas duas cartas.

Queridos, acredito que tudo que é novo fica velho e tudo que é velho pode ser reformado. As pessoas estão procurando novidade para seus corações e, sem querer generalizar, precisam ser novas criaturas. Particularmente, acredito na teologia reformada e no culto reformado. No entanto, minha discussão não é litúrgica. Acredito que boa parte do que está acontecendo na igreja de hoje é fruto de corações inconstantes e que precisam do encher do Espírito (Ef 5.18). Não estou falando só de regeneração, mas de conversão. Conversão de nossos desejos pecaminosos e insaciáveis pela novidade. A pergunta que deveríamos fazer não é se a igreja me agrada, mas se nós estamos agradando a Deus e se minha vida corresponde ao chamado salvador do Bom Pastor. Mas, se eu preciso de entretenimento para ficar alegre... ah, queridos, algo está de errado comigo. Reafirmo: não estou tratando de liturgia e do culto, mas do adorador. Quando precisamos de algo externo para nos motivar a adorar a Deus com alegria, é porque estamos precisando reavaliar nossa fé.

Existem pessoas eufóricas nas igrejas emergentes e nas novas comunidades que estão longe da alegria do Espírito. Existem pessoas frias nas igrejas reformadas e nas tradicionais que estão longe do Senhor.

O crente deveria poder adorar a Deus independentemente dos estímulos externos, pois o maior motivo é: Ele morreu por nós! Ele morreu por nós!

Enquanto alguns homens buscam seus mosteiros, pessoas vão caminhando para o populoso inferno. Enquanto a igreja vive na dicotomia: religião X cultura, a cultura assola a igreja e transforma-a em paganismo.

No período católico, várias datas e festas foram cristianizadas, hoje vários cultos estão sendo paganizados.

A igreja corre um sério risco de ser diluída naquilo que sociólogos contemporâneos chamam de sociedade líquida e, ao mesmo tempo, corre o risco de se isolar em um mosteiro moderno, onde a maior distância são os nossos comportamentos e a frieza em face do outro. Mosteiros construídos por pedras frias e sem vida não falam.

Tradição sem o Espírito é farisaísmo. Igreja sem tradição não é igreja.

“De fato, eu vos louvo porque, em tudo, vos lembrais de mim e retendes as tradições assim como vo-las entreguei” (1 Co 11.2).

“Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa” (2 Ts 2.15).

Dá-nos sabedoria, Senhor!

Rev. Ricardo Rios Melo

Comentários

Anônimo disse…
Creio que há igrejas reformadas prezando o Evangelho e esforçando-se por vivê-lo na íntegra. Não dá para generalizar e muito menos classificar os cristãos em dois grupos. Somos falhos, mas se buscarmos a Verdade, conforme está na Palavra, estaremos no rumo certo, sem monastérios, sem entretenimentos, mas na busca de fazer à vontade de Deus, como filhos/servos. Amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
Caro Anonymous, não gosto de responder pessoas que não se identificam. Mas, obrigado pela observação. Não pretendo generalizar, mas, a escrita sempre tem seus limites. Não conseguiremos abarcar todas as cores de um quadro. Deus abençoe!

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