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Você é um corredor?


Na história da humanidade, temos bastantes elementos para afirmarmos que existe, de algum modo, nos seres humanos, um “espírito” ou “instinto” de competição. Esse espírito é algo que faz com que esses homens busquem a superação dos seus limites e dos outros. As olimpíadas estão inseridas nesse aspecto competitivo.

Existem fortes indícios de que os elementos culturais fazem parte do espírito aguerrido dos homens. Contudo, saber quem veio primeiro, “o ovo ou a galinha”, seria um exercício tautológico sem fim – ou seja, saber se esse espírito é inato ou construído requereria estudos mais abrangentes que esse breve arrazoado e, muito provavelmente, andaríamos em círculos.

Vejamos a cultura grega. Perceberemos que os gregos trazem esse “espírito” competitivo em sua formação. “A competição entre as cidades gregas, fruto do espírito agnóstico tão presente em todos os aspectos da cultura grega, pode ser documentada, a partir da época arcaica, no freqüente estado de beligerância que domina a história grega. A rivalidade entre as cidades também é perceptível nos festivais pan-helênicos, entre os quais os Jogos Olímpicos. Era uma ocasião em que se desenvolvia o que já foi classificado de ‘uma guerra sem armas’ e que propiciava o exercício das disputas entre as polis, em situação controlada, definida por regras”.”[1]

Para o homem grego, existe um aspecto heróico nas vitórias. É prezado pelos gregos esse espírito heróico com todos os seus valores éticos gregos. A criança grega aprendia desde cedo esses valores por intermédio de sua educação. A arete é fator importante na formação clássica grega. “Homero entende por arete as qualidades morais ou espirituais. Em geral, de acordo com a modalidade de pensamento dos tempos primitivos, designa por arete a força e a destreza dos guerreiros ou lutadores e, acima de tudo, heroísmo, considerado não o nosso sentido de ação moral e separada da força, mas sim intimamente ligado a ela.”[2]

Desde cedo, as crianças eram estimuladas ao exercício físico e mental. “Dos 3 aos 6 anos precisam as crianças de jogos. (...) nesta idade, são as crianças, quando se juntam, que devem inventar os seus jogos, sem que estes lhes sejam prescritos. Platão quer que estas reuniões de crianças se efetuarem nos lugares sagrados de cada bairro (kw,mh) da cidade. Precede deste modo a moderna aquisição dos jardins de infância. As armas devem velar nestes locais pela conduta das crianças confiadas à sua guarda.”[3]

A competição, jogos, disputas ou a idéia de vencedor são inerentes aos seres humanos. Mesmo quem objeta esse argumento deve se lembrar que até nas mais sublimes ações espirituais orientais se quer chegar ao fim, objetivo. Quer-se uma “recompensa”. Ninguém busca o nada. E se buscamos alguma coisa, logo ao encontrarmos, esse objeto se torna nosso prêmio, medalha, coroa ou, para alguns, louvores de alguém. Em uma busca espiritual, quer-se encontrar a paz, harmonia, ou algo ligado à crença religiosa dos envolvidos.

Em um jogo se pode perder ou ganhar, é lógico! Entretanto, quando olhamos para Bíblia, percebemos uma modalidade competitiva diferente. O apóstolo Paulo, em Filipenses 3.12-16, nos fala daquilo que foi denominado por William Hendriksen da seguinte forma: “em Cristo Eu Corro Para a Perfeição - Paulo, O corredor Seu”. Vejamos o texto de Filipenses: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais de outro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos” (Filipenses 3.12-16).

“O intenso anelo e esforço de Paulo pela perfeição é expresso agora sob o simbolismo da familiar corrida a pé. Para captar o significado do que Paulo diz, deve-se ter em mente a figura subjacente de cada detalhe. Imaginemos, pois, o antigo estádio grego com sua pista para as corridas e as filas de assentos para os expectadores. Em Atenas, a extensão da pista era de um oitavo da milha romana; portanto, cerca de 607 pés em nossa medida. A de Éfeso era um pouco mais longa. O propósito da corrida era o de alcançar o alvo que ficava diante da entrada, ou ir e vir uma ou duas vezes. Junto à entrada, os competidores, despidos para a corrida, cada um se postava no limiar de pedra que havia sido demarcado. De fato, vários dos velhos estádios exibem o que foi deixado das fileiras de pequenos blocos de pedra em cada extremos da pista. Estes blocos possuem encaixes para dar aos pés do atleta firme apoio para partida firme e rápida. Os corredores se colocavam cada um em seu apoio, o corpo inclinado para frente, uma mão tocando ligeiramente os blocos e esperando o sinal, que consistia da queda de uma coroa que havia sido estendida diante deles. Ao efetuar-se o sinal, partiam em disparada”.[4]

O apóstolo utiliza essa figura da corrida para mostrar que na fé cristã existe uma competição. Contudo, essa competição não é contra corredores. Competimos contra nós mesmos. A luta que foi bem expressada por Martinho Lutero: contra o mundo, a carne e o diabo. Estamos constantemente lutando e correndo em busca da santidade, da perfeição. Essa perfeição só será encontrada de maneira plena na volta de nosso Senhor Jesus. Por isso o apóstolo nos diz que ele não julga ter alcançado: “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado” (vs. 13). Contudo, Paulo não se contenta com sua posição na corrida da santidade. Ele corre e segue para o alvo. Ele não olha para trás. Ele sabe que em Cristo já obtivemos a vitória. Cristo nos deu a vitória: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (vs. 12).

Jesus conquistou Paulo e deu a ele o acesso à coroa da vida. Entretanto, Paulo sabe que, enquanto estivermos nesse invólucro, devemos correr a carreira que nos foi proposta. Fomos salvos e a vitória foi garantida. Entrementes, isso não deve levar os cristãos à letargia. Estamos em uma corrida e devemos fixar nosso olhar no alvo. Devemos prosseguir para o alvo. Devemos deixar para trás todo o embaraço do pecado. “Aquele que está em uma carreira jamais deve deter-se antes de alcançada a sua meta. Deve seguir adiante tão rápido quanto possa; deste modo, aqueles que têm o céu em vista devem ainda seguir adiante em santo desejo, esperança e constante esforço. A vida eterna é uma dádiva de Deus, que está em Cristo Jesus.”[5]

Meus queridos, a discussão da formação grega ou do “espírito” competitivo ou olímpico nos seres humanos é longa e complexa. Um crente pode ou não vir a ter um “espírito olímpico”. Mas, uma coisa ele tem quer ter obrigatoriamente: santidade. Se você não faz parte dos “competidores” dessa corrida, é sinal que você não tem fôlego para correr; você não tem vida. Logo, você não receberá o prêmio final: “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (1Pe 5:4). Lembre-se da advertência: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).

O Brasil talvez não consiga tantas medalhas. Ficaremos decepcionados, frustrados, mas ainda estaremos vivos, e os competidores, com idade ainda competitiva, poderão competir novamente. Entretanto, na fé cristã, o que está em jogo é: somos verdadeiramente crentes? Se somos crentes, que estágio estamos de nossa santidade? É verdade que a salvação não é meritória, pois somos salvos nos méritos de Cristo. Não buscamos a santidade para devolvê-la em gratidão a Deus, pois não temos nada para devolver-Lhe no sentido de troca. Contudo, o salvo é separado para viver em santidade. Por isso, essa corrida é a competição mais importante de nossa vida. Podemos estar no início ou entre os últimos; o importante é sempre correr! Não devemos parar em nenhum momento.

Os competidores olímpicos batalham por medalhas efêmeras; nós temos uma coroa eterna nos esperando! Vamos em frente! Corra! Siga para o alvo!

Em Cristo,
Rev. Ricardo Rios Melo


[1] Elaine Farias Veloso Hirata et alli, Os Jogos Olímpicos e a competição entre as cidades do mundo grego, http://www.paideuma.net/elaine.doc, p. 2.
[2] Werner Jaeger, Paidéia – a formação do homem grego, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 27.
[3] Werner Jaeger, Paidéia – a formação do homem grego, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 1353.
[4] William Hendriksen, Filipenses – comentário do Novo Testamento, São Paulo, CEP, 1992, p. 221, 222.
[5] Matthew Henry, Comentário Bíblico de Mathew Henry, São Paulo, CPAD, 2002, p. 1005.

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