Em algumas reuniões de concílios, tenho me deparado com alguns índices e questionamentos intrigantes. Um desses índices é que o presbiterianismo nem aparece nas pesquisas. Estamos, segundo os estudiosos, na coluna estatística: outras denominações. O questionamento que é feito sobre esse índice é por que o presbiterianismo não cresce na mesma proporção das demais igrejas? Uma das respostas está alicerçada no paradigma metodológico: a Igreja Presbiteriana do Brasil segue métodos bíblicos e algumas dessas denominações crescem em detrimento da doutrina; até mesmo negociando-a. Outro argumento que nos é dado é a respeito da doutrina presbiteriana que faz com que as pessoas se acomodem. Para que evangelizar se os eleitos serão salvos?
Como tentativa de resposta a essa pergunta, teremos que recorrer a alguns pontos que foram extraídos do Remonstrance (protesto). O Remonstrance foi um protesto realizado em 1610, feito pelos discípulos de Jacob Arminius - pastor da Igreja Holandesa Reformada que rompeu com a fé reformada. Mesmo depois de sua morte em 1609, seus discípulos difundiram a doutrina que se chamaria mais tarde de os cinco pontos do Arminianismo. Apesar de serem cinco pontos delineados que se resumem na cooperação do homem na salvação divina, devemos entender que a pressuposição arminiana foi embasada no entendimento equivocado da ordem dos decretos divinos. Vejamos como os Remonstrantes entendem a ordem dos decretos de Deus: “1) Decreto para criar; 2) Decreto para permitir a queda; 3) Decreto para Cristo fazer a expiação por todo o mundo e para proporcionar graça suficiente para todo mundo; 4) Decreto para dar graça suficiente para todo o homem; 5) Decreto para salvar aqueles que naturalmente possuem habilidade para cooperarem com a graça; 6) Decreto para predestinar todos para a vida a quem Deus viu de antemão que cooperariam com Ele até o fim; 7) Decreto para santificar e glorificar todos aqueles que, portanto, foram predestinados.”[1]
Os arminianos crêem na predestinação pela presciência; Deus viu quem O aceitaria e predestinou para salvação os que contribuiriam com Sua graça (graça cooperante ou sinergismo). Os calvinistas, antagonicamente, entendem que a obra da Salvação é desde o princípio uma obra de Deus. Deus predestinou por sua livre escolha os que iriam ser salvos, ou seja, monergismo: o homem não participa da obra da salvação, pois ela é um ato exclusivo de Deus. Deus não viu nada em nós que se agradasse. Todos os homens estão mortos nos seus delitos e pecados. A fé, segundo o calvinismo, é um dom gratuito de Deus: “e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.5-10). Isso é ecoado em Rm 3.9-18, que nos diz que não há quem busque a Deus: “Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos”. Para os calvinistas, Deus não concedeu fé a todos os homens “... porque a fé não é de todos (2 Ts 3.2). Toda a obra da salvação é unilateral: Deus faz tudo!
Não me deterei a explicar os cincos pontos das posições arminianas ou da resposta calvinista. Entendo que a discussão, por mais válida que seja, é bem sintetizada por Packer, quando nos fala do “testemunho de Charles Simeon acerca da sua conversão, através de João Wesley, em 20 de Dezembro de 1784 (a data encontra-se especificada no Wesley’s Journal): ‘Meu caro, eu entendo que você é o que chamam de arminiano; e certas pessoas me chamam de calvinista; e por isso mesmo, suponho que as pessoas esperam ver-nos prontos para brigar um contra o outro. Mas, antes de eu consentir em que se dê início ao combate, com sua licença, gostaria de lhe fazer algumas perguntas ...Diga-me, por favor: você sente que é uma criatura tão depravada, mas tão depravada que nunca teria pensado em voltar para Deus se Deus já não tivesse posto isto em seu coração antes?’ ‘É verdade, ‘diz o veterano’, é isso mesmo.’ ‘E você também se sentiria totalmente perdido, se tivesse que recomendar-se a Deus, baseado em alguma coisa que você pudesse fazer; e considera a salvação como algo que se deu exclusivamente pelo sangue e justiça de Cristo?’ ‘Sim, exclusivamente por Cristo.’ ‘Mas então, meu caro, partindo do pressuposto de que você foi inicialmente salvo por Cristo, será que ainda assim você não teria que subseqüentemente, de uma forma ou de outra, salvar-se a si mesmo por suas próprias obras?’ ‘É claro que não, pois devo ser salvo por Cristo do princípio ao fim’. ‘Admitindo, então, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, você, de um modo ou de outro, deve manter-se salvo por seu próprio poder?’ ‘Não.’ ‘Quer dizer, então, que você deve ser sustentado a cada hora e momento por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe?’ ‘Sim, absolutamente.’ ‘E quer dizer que toda a sua esperança está depositada na graça e misericórdia de Deus para sustentá-lo, até que venha o seu reino celestial?’ ‘Certamente, eu estaria completamente desesperado se não fosse Ele.’ ‘Então, meu caro, com sua permissão vou levantar novamente a minha espada; pois isto não é nada mais, nada menos, do que o meu Calvinismo; eis aí as minhas teses da eleição, da justificação pela fé, da perseverança final: eis aí, em essência, tudo o que eu defendo, e como o defendo; portanto, se lhe parecer bem, ao invés de ficar tentando descobrir termos ou expressões que sejam bom motivo de briga entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas em que concordamos.’”[2] “A verdade é que todos cristãos crêem na soberania divina, acontece que alguns não estão conscientes de que crêem nisso, equivocadamente imaginam e insistem que a rejeitam”[3]
A essa altura você poderia perguntar: cadê a resposta? Meus queridos, creio que a falta de crescimento substancioso de nossas igrejas não tem a ver apenas com a a metodologia ou com a doutrina da presdestinação, pois existem igrejas que não negociam os princípios bíblicos e estão crescendo a olhos vistos. É claro que a igreja Presbiteriana do Brasil tem crescido. Contudo, para enxergamos um impacto em nossa sociedade por intermédio do Evangelho da Graça, o que precisamos mudar não é a nossa forma de pregar, ou nossa doutrina. Não devemos brigar com os nossos irmãos arminianos dizendo: “você crescem porque pregam errado”; não! Não acredito que as verdadeiras conversões promovam corações soberbos nos homens. Jamais vi um homem que foi alcançado pela graça de Deus dizer que se salvou por seus méritos! Nunca ouvi alguém orar assim: “obrigado, Senhor, porque eu o aceitei por minha livre escolha e vontade”. Portanto, o nosso problema é outro. O nosso problema é falta de vida; de compromisso com Deus; de amor aos perdidos; da urgência do Evangelho; da pureza de vida. Falta-nos o marejar dos olhos diante dos que se aprofundam na lama do pecado.
Os conselhos de Thomas Watson, puritano que pertencia aos dois mil ministros do Evangelho, que foram impedidos de pregar no dia 24 de agosto de 1661, se fazem indispensáveis nesse momento. Em seu último sermão, em sua congregação, ele proferiu 20 instruções, das quais, por motivo de espaço, colocarei duas: “no que diz respeito à vida cristã, serve a Deus com todas as tuas forças. Deveríamos fazer por nosso Deus tudo quanto está ao nosso alcance. Deveríamos servi-Lo com toda a nossa energia, posto que a sepultura está tão perto, e ali ninguém ora nem se arrepende. Nosso tempo é curto demais, pelo que também o nosso zelo de Deus deveria ser intenso. ‘Sede fervosos de espírito, servindo ao Senhor’ (Rm 12.11); Faze aos outros o bem que puderes, enquanto tiveres vida. Labuta por ser útil às almas de teus semelhantes e por suprir as necessidades alheias. Jesus Cristo foi uma bênção pública no mundo. Ele saiu a fazer o bem. Muitos vivem de modo tão infrutífero que, na verdade, suas vidas dificilmente são dignas de um coração, como também seu falecimento quase não merece uma lágrima. Em conclusão, não devemos superestimar os confortos deste mundo. As conveniências do mundo são muito agradáveis, mas também são passageiras e logo se dissipam. A idéia de eternidade deve ser o bastante para impedir-nos de ficar tristes em face das cruzes e sofrimentos neste mundo. A aflição pode ser prolongada, mas não eterna. Nossos sofrimentos neste mundo não podem ser comparados com nosso eterno peso de glória”[4]
Por fim, para aqueles que alegam que a eleição nos deixam frios e sem fervor evangelístico, deixo as palavras do calvinista metodista George Whitefield: “Desejo, todas as vezes que subir ao púlpito, considerar essa oportunidade como a última que me é dada de pregar; e a última dada ao povo para ouvir a Palavra de Deus. Curiosamente ele, raramente, pregava sem chorar: Vós me censurais por que choro. Mas, como posso conter-me, quando não chorais por vós mesmos, apesar das vossas almas mortais estarem à beira da destruição? Não sabeis se estais ouvindo o último sermão, ou não, ou se jamais tereis outra oportunidade de chegar a Cristo”.[5]
A predestinação não é barreira para evangelização. Não é a metodologia equivocada que faz algumas igrejas arminianas crescerem. Existem relatos impressionantes de crescimento de igrejas calvinistas nos EUA e outros lugares. O que nos falta é juntarmos a Habacuque em sua oração: “Tenho ouvido, ó SENHOR, as tuas declarações, e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida; na tua ira, lembra-te da misericórdia” Hb 3.2.
Que Deus nos mande chuvas de bênção!
Rev. Ricardo Rios Melo.
[1] ( Morton H. Smith; Systematic Theology, Volume one, Greenville, South Carolina, Greenville Seminary Press, 1994, p. 326).
[2] J.I. Packer, A Evangelização e a Soberania de Deus, São Paulo, CEP, 2002, p. 11,12.
[3] Ibidem, p. 13.
[4] Thomas Watson in: Fé Para Hoje, nº 19, São José dos Campos, Sp, 2003, p. 13.
[5] http://www.imja.org.br/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=24
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