A fé que "faia"

fé que faia
Rev. Ricardo Rios Melo

Ainda há possibilidades de se espantar com o tipo de fé que se encontra na igreja? Resposta: sim! Sempre  lugar para surpresas. Há muito tempo o compositor baiano Gilberto Gil traduziu o pensamento de muitos tornando a fé o próprio objeto de fé: “Andar com fé eu vou,
que a fé não costuma ‘faiá’”. A frase e a letra, de modo geral, representam a ideia geral de que o importante é ter fé, independentemente do objeto ao qual ela se destina. A fé se tornou um deus, pois ela não falha. 

No decorrer da música, o criativo compositor diz que a fé está na mulher, na cobra, no calor, no pão, na lamina do punhal etc., ou seja, não importa onde ela esteja, o importante é que ela está em algo. 
Bom, entendo as licenças poéticas, a liberdade que os artistas pretendem e realmente possuem em vários aspectos. A questão é que a fé se torna uma entidade em si. Ela não é, como a Bíblia declara, um meio pelo qual Deus comunica sua graça; ela é finalística. Ela é a própria finalidade de si mesma. Falando claramente, até um ateu pode ter fé nele mesmo que ele será considerado um homem de fé. A fé transmitida por essa música santifica qualquer objeto: “Certo ou errado, diz Gilberto Gil, “a A fé vai onde quer que eu vá Ô-ô; A pé ou de avião; Mesmo a quem não tem ; A fé costuma acompanhar”.
As artes retratam o pensamento de uma época. Não se pode pensar as artes de maneira purista. A cultura é permeada de pressupostos. As artes modernas retratam aquilo que Hans R. Rookmaaker chama de “morte cultural”. A genuína fé cristã foi expulsa das artes, pois a própria fé cristã passa por um longo desencantamento. Um processo de genocídio cultural. A modernidade e a autoproclamada pós-modernidade pretendem limpar a cultura da incômoda religiosidade cristã. 
Poder-se-ia analisar o processo de limpeza étnica na história por diversos métodos: genocídio, miscigenação, aculturamento, entre outros. Um método muito eficaz é por intermédio do casamento de pessoas de culturas e religiões diferentes. Pois bem, a melhor maneira de diluir um pensamento é ressignificá-lo ou esvaziá-lo de sentido. Daí o perigo que existe nos sermões alegóricos. 
Façamos de conta que você tem medo da cuca. Agora imagine a cuca vestida de Xuxa com peruca e tudo cantando Ilariê, mascando chiclete e escorregando em uma pista de sabão. Imaginou? Será que essa cuca é apavorante? Pois é, diluir, ressignificar pode servir para várias questões, uma delas é descaracterizar algo ou esvaziar de sentido.
Quando uma pessoa diz que a fé é o objeto ou que ela tem um fim em si mesma, ela é descaracterizada, desaculturada, assassinada do seu sentido original. 
Diversos crentes tem tido a fé de Gilberto Gil: “a fé que não costuma faiá”. Eles não sabem o sentido verdadeiro da fé! Algumas pessoas sequer pensam qual é o verdadeiro objeto da fé! A fé comum assemelha-se, mesmo sem muitas vezes compreender, à experiência do salto da fé” proposto por SorenAabye Kierkegaard  (1813-1855). A fé subjetivada por Kierkegaard é desprovida de um objeto concreto, pois a relação é existencial ou o objeto é o próprio meio e não o fim. 
Um grande número de pessoas estão, em nome da fé, fazendo correntes de oração, abraços para salvar lagoas, fazendo caridade, prometendo curas ou esperando milagres, passando mensagens em redes sociais independentemente da religião, pois tudo pode em nome da fé. Algumas dessas coisas são plausíveis, como por exemplo, orar por um milagre. A questão não é essa, a questão é: o que ou Quem irá curar? Para esse grupo, quem cura é a fé. Quando Jesus diz que sua fé te salvou, ele não queria dizer que a fé é uma persona. A fé não é um ser que cura, mas o meio que recebe a graça da vida ou da cura dada por Deus.
Esses crentes na fé desprezam as reuniões de doutrina, os sermões, as palestras, os livros. Eles vivem em uma agenda de fé diferente. Pensam que se eles forem boas pessoas e praticarem caridade,serão aceitos pela fé. Sempre estão prontos para agirem pelo coração, pois a fé habita em seus corações e elas sempre fazem coisas segundo o sentimento. Oram, oram, oram, sem nem saber se as orações são próprias ou não. Afinal de contas, o importante é a fé na oração. Suplantaram a objetividade da fé pela experiência de fé.
Às vezes, esse tipo de “crente” trata a igreja como uma ONG. Entende que o papel da igreja é o assistencialismo: cestas básicas, remédios, roupas, colchões sopas e coisas do gênero. Muitas dessas pessoas não fazem ofertas na igreja para missionários ou ajudam outros necessitados da igreja oferecendo empregos ou educação, mas são altamente solicitas nas sinaleiras e na entrega de sopas. A fé que não faia tem sua cara. 
A nossa teologia reformada prevê tipos de fé: 1Salvadora, que somente pertence aos eleitos de Deus; 2a fé milagrosa passiva ou ativa, que prevê que a pessoa sofre a ação do milagre ou produz o milagre; 3. temporal que, como o próprio nome diz, passa com o tempo; 4.  histórica ou científica, que crê nos acontecimentos históricos. 
A nossa fé deve ser a fé justificadora como da pergunta 72 do Catecismo Maior de Westminster:
72. Que é a fé justificadora?
A fé justificadora é a que salva. É operada pelo Espírito e pela Palavra de Deus no coração do pecador que, sendo por eles convencido do seu pecado e miséria e da sua incapacidade, e das demais criaturas, para o restaurar desse estado, não somente aceita a verdade da promessa do Evangelho, mas recebe e confia em Cristo e na sua justiça, que lhe são oferecidos no Evangelho, para o perdão de pecados e para que a sua pessoa seja aceita e reputada justa diante de Deus para a salvação.
Heb. 10:39; 1 Cor, 12:3, 9; Rom. 10:14, 17; João 16:8-9; At. 16:30; Ef. 1:13; Ef. 10:43; Fil. 3.9; At. 15:11.
Na pergunta 72, a fé verdadeira fica mais clara ainda: 
73. Como justifica a fé o pecador diante de Deus?
A fé justifica o pecador diante de Deus, não por causa das outras graças que sempre a acompanham, nem por causa das boas obras que são os frutos dela, nem como se fosse a graça da fé, ou qualquer ato dela, que lhe é imputado para a justificação; mas unicamente porque a fé é o instrumento pelo qual o pecador recebe e aplica a si Cristo e a sua justiça.
Rel. Gal. 3:11; Rom. 3:28, e 4:5; João 1:12; Gal2:16.
A fé é certeza! A fé é o meio, “instrumento pelo qual o pecador recebe e aplica a si Cristo e a sua justiça”. Portanto, a fé na fé sempre faia, pois ela na verdade, é fé em si mesma
Por detrás de todo humilde na fé, há um ególatra! A fé que esperamos é certeza (HB 11.1). Sabemos quem Deus é, o que Ele promete nas Escrituras. Consultar o coração só é pertinente quando a lente de escrutínio é a Bíblia.
Estou convicto que algumas igrejas evangélicas viraram idólatras da fé. Transformaram suas igrejas em comunidades terapêuticas, centros de entretenimento e provimento emocional e assistencial. bolsa-família atingiu a igreja, agora temos o bolsa-crente na fé: os carentes encontrarão assistênciaemocional, financeira e de saúde. 
Os irmãos da terceira idade encontrarão aulas de teatro, tricô, xadrez etc. Há lugar para todo mundo, basta ter a fé que não faia! Fé na fé!
Certa feita, em uma escola dominical, estava uma irmã falando de uma seita religiosa bradou emocionada: “eles são iguais a nós!”. Naquele momento, indignado, eu que ainda era seminarista, respondi que a fé que eles tinham era diferente da nossa. O Deus que eles proferiam não era das Escrituras e o Cristo que eles pregavam era impotente e frágil. O Deus das Escrituras é soberano, poderoso, glorioso! Cristo que é vero Deus também é poderoso glorioso e ressuscitou ao terceiro dia e irá voltar para julgar os vivos e os mortos!
Ah, queridos, como eu era ingênuo! Depois de anos de ministério, descobri que aquela pessoa que estava na EBD estava certa! A fé do mundo. A fé do Gilberto Gil é a mesma fé de muita gente na igreja! Eles são irmãos de uma mesma crença: a crença na fé!
Gostaria de ter o poder, nesse momento, de produzir fé salvadora em seu coração, mas, só Deus pode fazer isso! A fé verdadeira pertence apenas aos Seus: Orem também para que sejamos libertos dos homens perversos e maus, pois a fé não é de todos. 2 Tessalonicenses 3.2.
Queridos, se todo mundo está salvo, é sinal que todo mundo está perdido. Se todo mundo tem fé, é sinal que todo mundo é incrédulo. 
A fé salvadora, justificadora, só tem quem pertence a Deus! Se você não conhece a Bíblia, não lêas escrituras, não ora segundo as escrituras, não sabe do que se trata a Bíblia, não conhece a pessoa e obra de Cristo, não conhece as pessoas e obras da Trindade, naquele grande Dia, o Dia da volta de Cristo, sua fé querido amigo, irá faiá
Lembre-se que te chamar de irmão aqui na terra ou na igreja não significa que somos irmãos de fato em Cristo, pois se seu entendimento não é o da pergunta 72 e 73 do Catecismo que está respaldado nas Escrituras, sinto muito amigo, você tem outra religião! 

Deus te livre desse sindicato da fé!
Rev. Ricardo Rios Melo


Comentários

Unknown disse…
Parabéns Ricardo, excelente artigo

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