Religião, Religiosidade e Espiritualidade

O que é a religião? Se formos à etimologia da palavra, podemos definir a Religião como o Re-ligare = ligar o homem a Deus ou ao divino. A religião é inerente ao homem. Desde sua gênese, o homem é um ser religioso. Deus implantou no coração dos homens a sua lei e esse homem sabe que precisa adorar um ser maior que ele. Mas, sem a revelação especial de Deus, que é a Bíblia, esse homem se desvia de adorar o Deus verdadeiro (Rm 1.18-32).

A religião sozinha não leva ninguém a Deus! É necessário que haja uma modificação no interior do ser humano para que essa Religião possa fazer sentido. Se tivermos uma religião apenas de aspectos exteriores e formais, estamos sendo religiosos, mas não temos vida em nós mesmos. Essa era a acusação de Jesus aos Fariseus, um partido que ganhou força nos tempos dos Macabeus, nos 400 anos de silêncio profético. Eles transformaram o judaísmo em uma religião de aparências. “Eles seguiam a lei de Moisés e as tradições de seus antepassados”, contudo viviam uma religiosidade vazia: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia!” (Mt 23.27).

Os Judeus tinham seu formalismo até na oração. Segundo o Rev. Herminsten M. P. Da Costa, em seu livro Oração do Pai Nosso, o formalismo judaico se estendia em 4 esferas: 1) quanto ao tempo, pois eles oravam “três vezes ao dia: às três, às seis e às nove horas”; 2) quanto ao lugar principal que deveria ser o Templo ou a Sinagoga; 3) quanto à forma da oração, os judeus tinham duas orações principais: Shemá (Ouve), que era o credo dos Judeus e Shemone Esreh (dezoito Bênçãos); 4) quanto à extensividade da oração - muitos judeus achavam que suas orações deveriam ser longas e repetitivas (ver COSTA, Herminsten P, Oração do Pai Nosso, São Paulo, Cultura Cristã, 2001, p. 14-16) .

Cristo rechaça o formalismo judaico e principalmente o dos fariseus em diversos momentos. Em um desses momentos, Jesus propõe uma parábola extremamente educativa e exortativa: “Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18. 9-16).

A religião do estereótipo transforma as formalidades em espiritualidade. Deus acusa seu povo, diversas vezes, de ser formal sem espiritualidade. Eles eram circuncidados na carne, mas seus corações estavam distantes do Senhor; transformaram a devoção a Deus em uma questão formal: “Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz” (Dt 10.16); “Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios?” (Is. 1. 12). Jesus ecoa essa mensagem ao dizer: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15.8).

Quando Jesus se encontra com a mulher samaritana no capítulo quatro de João, ele faz o contraste da verdadeira religião, quando ele diz à mulher que chegou a hora em que a adoração não seria mais uma questão formal ou circunscrita a um monte. Ele diz nos versículos 23, 24: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores”. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Esse texto é muito importante para entendermos o que é adoração a Deus. Segundo o entendimento desse texto, Jesus diz que a adoração não é mais restrita ao povo judeu e nem ao local de adoração, mas que Deus faria de cada um de nós local de adoração, pois a adoração é em Espírito, ou seja, por intermédio do Espírito Santos. Ninguém pode clamar Senhor, Senhor, se não for pelo Espírito de Deus, e na mediação da Verdade, que é Cristo, pois Ele afirma: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Algumas pessoas discordam dessa interpretação e dizem que a Verdade nesse texto é o Cânon; o fechamento da Escrituras, entretanto o Cânon ainda não tinha sido fechado e no NT a adoração se alicerça em princípios e não em normas claras e pré-estabelecidas. Além disso, a pergunta da mulher samaritana a Jesus é reveladora: “Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas. Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo” (Jo 4.25,26), eis a verdade tão esperada! Jesus é o meio que nos conduz a Deus e o Espírito é que aplica essa Verdade. Não existe adoração verdadeira sem ser conduzida pelo Espírito na mediação de Cristo.

A verdadeira espiritualidade passa pelo crivo interno e não do exterior. Mas, você poderá me perguntar, então, se não devo ter uma religião formal! Sim e não. Você deve ter uma religião formal que exteriorize a sua espiritualidade, pois a maneira que você tem de mostrar que é espiritual passa por alguns aspectos: 1) vida diária com Deus externando espiritualidade nos mínimos detalhes: comprando com espiritualidade, vendendo com espiritualidade, comendo, bebendo, vestindo, se divertindo, ou seja, todos os aspectos da vida devem ser espirituais: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31). Esse ponto é tão essencial que Paulo diz aos candidatos ao presbiterado que eles não poderiam ser Presbíteros se não governassem bem a sua casa: “pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?” (1 Tm 3.5); 2) a segunda parte desse aspecto espiritual passa por um quê de formalidade. É dentro de uma religião formalmente estabelecida que eu professo crer em Jesus; é nessa profissão conjunta que a igreja mostra que é uma organização, ou melhor, mais do que isso, é um organismo vivo! A Igreja “formal” é a bandeira da Verdade no mundo caótico e sem Deus, e essa igreja, conquanto seja Instituição formal diante dos homens, permanece espiritual, pois a unidade dela visível deve representar a obra invisível de Deus nos corações! É por isso que a Bíblia exorta que não devemos deixar de nos reunirmos para adorarmos a Deus! (Hb 10.25). Nesse ponto é muito fácil oscilarmos de um lado para outro: sermos legalistas como fariseus e de sermos licenciosos. Creio que hoje estamos nesse processo, pois muitos já não enxergam a necessidade que temos de estar unidos e reunidos para adoração ao Senhor. Criaram a religião solitária! E essa religião é uma espécie de formalismos às avessas, pois ela formalizou que a informalidade deve ser o padrão, ou seja, o não padrão virou padrão. Por outro lado, existem muitos irmãos que se tornaram formais, pois quando vão aos cultos ou às reuniões semanais, vão como uma espécie de obrigação formal, pois se eles não estiverem nesses locais no horário e não passarem o tempo que eles determinaram que deveriam passar, não são espirituais. E, muitas vezes, acusam os outros de não serem espirituais, fazendo o papel do fariseu em Lucas 18. 9-16.

Meus irmãos, creio que estamos mais para licenciosos do que para legalistas, pois é só fazermos um apanhado de nossas freqüências para percebermos o descaso de alguns irmãos. Muitos transformaram os encontros com Deus em encontros formais, pois quando alguém não vai a uma reunião e, principalmente aos cultos aos domingos na igreja, por qualquer motivo banal, é como se dissesse indiretamente que aquele momento de culto na igreja é um momento apenas religioso e não espiritual, pois não fará diferença em minha vida. Já criamos até o turismo espiritual, onde o irmão fica visitando igrejas durante os dias de programação da nossa igreja e depois reclama que muitos estão faltando. Existem até aqueles que dizem assim: “fui visitar o pastor cicrano”, e eu fico pensando que devem ter ido à casa do pastor, mas não! Eles foram à igreja respectiva. Ou seja, o compromisso com a igreja local não existe. E não vou nem falar do compromisso com nossa denominação, pois, se falar, a situação ficará muito mais complicada. É fácil perceber que as pessoas mudam de igreja como mudam de roupa. Ainda existem aqueles que decidem ir apenas em um horário, ou pela manhã ou pela tarde, e ficam satisfeitas, porque já fizeram sua devoção religiosa naquele dia.

Queridos, temos que ter muito cuidado com os extremos! Legalismo é pecado! Licenciosidade também o é! Temos que pedir a Deus discernimento espiritual para não oscilarmos de um lado ao outro. Espiritualidade tem a ver com a vida no Espírito. Faça um teste para saber em que grau está sua espiritualidade! Você é um religioso? Ou você é espiritual? Mede as pessoas pelo seu crivo ou pelas Escrituras? Faz da religião um amuleto quando precisa ou tem prazer na adoração ao Senhor? Termino essa extensa pastoral com o alerta de Calvino: “Somente aquele que tem recebido o verdadeiro conhecimento de Deus, por meio da Palavra do Evangelho, pode chegar a ter comunhão com Cristo. O apóstolo disse que ninguém que não tenha posto de lado a velha natureza, com sua corrupção e suas concupiscências, pode dizer que tenha recebido o verdadeiro conhecimento de Cristo. O Conhecimento de Cristo é só uma crença perigosa, não importando o quão eloqüentes possam ser as pessoas que o têm. O evangelho não é uma doutrina da fala, mas de vida. Não se pode assimilá-lo por meio da razão e da memória, única e exclusivamente, pois só se chega a compreendê-lo totalmente quando Ele possui toda alma e penetra no mais profundo do coração. Os cristãos nominais devem para de insultar a Deus jactando-se de serem aquilo que não são. Devemos nos ater em primeiro lugar ao conhecimento de nossa fé, pois esta é o princípio de nossa salvação. A menos que nossa fé ou religião promovam uma mudança em nosso coração e em nossas atitudes nos transformando em novas criaturas, não nos será de muito proveito” (CALVINO, João, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 25).

Deus nos livre do que sempre somos propensos: aos extremos!

Rev. Ricardo Rios Melo.

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