As cinzas da quarta-feira

As cinzas da quarta-feira



Era fevereiro de 2015. Maria sentiu que havia um sentimento diferente no ar.  A cidade começara a ganhar cores, luzes, painéis. A televisão anunciava a maior festa do mundo: o carnaval. A cidade recebia diariamente visitantes de todo o país e do mundo.  Era bastante interessante ver a mistura de povos, culturas e biótipos. As propagandas eram permeadas por promoções alusivas à festa.
Segundo Roberto DaMatta, na época em que escreveu, professor de Antropologia  da Universidade  de Notre Dame (EUA):

“tanto o carnaval quanto o dia da Pátria são rituais nacionais e mobilizam a população das cidades onde se realizam, exigindo um tipo de tempo especial, vazio, isto é, sem trabalho, um feriado. O carnaval é realizado em três dias (domingo, segunda e terça-feira que antecedem imediatamente a Quaresma), ao passo que o Dia da Pátria (comemorado no dia sete de setembro) é oficialmente parte de uma semana, chamada ‘A Semana da Pátria”. Carnaval e dia da Pátria constituem os dois rituais de maior duração no Brasil, sendo somente comparáveis à Semana Santa, devotada aos ritos que recriam a paixão e Ressurreição de Cristo. Essas três semanas festivas sugerem um ‘triângulo ritual brasileiro’ muito significativo, sobretudo nas suas implicações políticas...” (Roberto DaMatta, Carnavais, Malandros e Heróis, 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 53)

Estavam todos esperando o dia em que o prefeito iria entregar a chave ao novo chefe que eles chamavam de rei, rei momo.  Maria não sabia muito bem a origem da tradição, mas aguardava com ansiedade esse momento.  Dizem os historiadores que a origem do momo vem da antiga Grécia:

“Na mitologia grega, Momo era o deus do sarcasmo e do delírio. Usando um gorro com guizos e segurando em uma mão uma máscara e na outra uma boneca, ele vivia rindo e tirando sarro dos outros deuses. Com esse jeitão esculachado, aprontou tantas que acabou expulso do Olimpo, a morada dos deuses. Ainda antes da era cristã, gregos e romanos incorporaram essa figura mitológica a algumas de suas comemorações, principalmente as que envolviam sexo e bebida. Na Grécia, registros históricos dão conta que os primeiros reis Momos de que se tem notícia desfilavam em festas de orgia por volta dos séculos 5 ou 4 a.C. Geralmente, o escolhido era alguém gordinho e extrovertido - provavelmente vem daí a inspiração para a folia brasileira. Já nas bacanais romanas, os participantes selecionavam um Rei Momo entre os soldados mais belos do exército” (http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-a-origem-do-rei-momo - acesso em 19/02/2015).

Chega o famoso dia da entrega da chave. A televisão filma. Os foliões estão em polvorosa. Maria não sabe o motivo, mas também está aguardando esse momento cartático. Esse é o momento mais aguardado do ano. O grande dia em que os problemas políticos, sociais, emocionais, familiares darão um descanso. O importante, dizem os amigos de Maria, é curtir, esquecer, extravasar, afinal, no carnaval, tudo é permitido.

As ruas ficam repletas. As faixas, que outrora poderiam lembrar a Maria manifestações de protestos, dão lugar à bebida, à sexualidade explícita, orgias, bebedeira, à típica reverência ao grande rei do carnaval: o rei momo. Quem manda agora na cidade é Momo, o grande rei da bacanália!
Maria está embebecida pela alegria puxada ao som da música, dos trios, das escolas de samba, da bebida farta, das danças sensuais, da possibilidade de se relacionar com alguém sem se comprometer. Que alegria! Que momento festivo! Viva o carnaval! A pobreza, a falta de água em algumas cidades brasileiras, o fato de uma escola de samba ganhar o carnaval supostamente usando dinheiro de um país tido como corrupto e ditatorial, nada disso atrapalha a festa de Maria. Ela quer esquecer que dias atrás estava sofrendo de depressão, com contas para pagar, familiares doentes, perdeu seu marido, está em litígio tentando ganhar a guarda dos filhos. Isso é café pequeno diante de uma festa tão grande que pode mudar a vida dela por três dias.  

 Vai Maria, vai Maria, é o grito dos amigos que ela fez tem poucas horas na folia. A música balança o corpo de Maria em um ritmo alucinante. Ela se anima, chora, ri, parece perder os sentidos depois de ter “bebido todas” e usado estimulantes que, como uma mãe zelosa, provavelmente desaconselharia seus filhos a usar.

Vai Maria, Maria, vai... ela se emociona sabendo que sua escola ganhou o carnaval. Alegra-se, pois a música que ela mais dançou ganhou como a música de carnaval. Maria está feliz. Seus problemas acabaram. Ela volta para casa cansada da maratona.

Chega quarta-feira de cinzas, esse dia que tem uma conotação religiosa para os católicos romanos. Maria é induzida pela sua tia, uma beata, a ir à igreja para purgar seus pecados do carnaval, afinal de contas, a quarta-feira de cinzas é o dia em que o Romanismo comemora o primeiro dia da quaresma. O dia em que, segundo a tradição, eles se lembram que são pó e voltarão ao pó. Um dia de penitência e conversão. Maria não sabe disso, mas vai com a tia. Que mal fará? - pensa Maria.

Alias, é bom você saber que um dos motivos que levou Maria a romper com seu casamento foi a intensa amizade que ela mantinha com um grupo de amigas solteiras ou infelizes no casamento. Elas diziam sempre: - Casamento é prisão, vai Maria acaba com isso logo! Esse negócio de ligar para dizer onde está, chegar cedo em casa, isso não existe mais, ou você arranja uma pessoa moderna ou acaba logo com isso. Maria resolveu acabar com o fardo de ter que dar satisfação à outra pessoa. Agora ela é livre. Não tem ninguém e chega na hora que quer em casa. Não importa quantas vezes ela tenha chorado no travesseiro sozinha. O importante é que ela foi... Maria foi com as outras, Maria vai com as outras.

Essa história, embora fictícia, pode ser a sua história. Fazer as coisas sem perguntar a origem e sem saber o motivo. Viver a vida como uma folha ao vento, sendo levada para qualquer lugar.
Maria vai com as outras é a história de muita gente que tem sido levado pela falsa ilusão de que a felicidade é promovida por agentes tristes. Por mais que uma canção te alegre, por mais que a dança de deixe leve ou te leve, quarta-feira é cinzas. Você se deparará com a vida real. Suas contas, suas tristezas, dissabores. E daí? Você poderá me perguntar, eu te respondo: ela achava que estava sendo livre, mais foi arrastada pelas multidões, pelo preconceito de não poder ser quem é. Você tem que gostar do que todos gostam. Dançar segundo a música e cantar a mesma canção. Você não tem o direito de ser diferente, pois Maria sempre vai com as outras.

Mas, lembre-se das cinzas da quarta-feira! Não falo do dia religioso romano, falo da realidade que está longe de ser colorida e festiva. O mundo real te chama na quarta-feira e diz: sua vida é cinza!
Jesus disse que a verdadeira alegria e paz só Ele pode dar! Alegria de Jesus é paz real em meio à guerra.
Jo 14:27 Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.

Deus lhe conceda a verdadeira paz e alegria!
Rev. Ricardo Rios Melo








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Sem lenço e sem documento” – uma análise do crente moderno

“Como se não houvesse amanhã”

Aborto; aborte essa idéia!