Identidade

Identidade
Rev. Ricardo Rios Melo


Quando alguém pede a você que apresente sua identidade, imediatamente você entrega seu Registro de Identidade (RG) que contém o nome do pai, da mãe, data de nascimento, nome completo e número do registro, foto, naturalidade etc. Esse documento assevera que você não é um indigente. Garante passagem livre em determinados ambientes. Entretanto, esse documento não diz quem você é de fato. É um documento que aponta para uma faceta sua como persona civil: cidadão. Não diz o que você sente ou o que pensa. Mas, sem ela, você é um indigente.
As questões psicológicas que envolvem uma identidade são muito profundas e intricadas em um emaranhado psíquico e pessoal, individual, subjetivo: próprio do Sujeito. Vejamos a luta de pessoas para obterem um registro de nascimento ou o reconhecimento de seus pais. No Brasil, há uma evolução nesse processo com a gratuidade do exame genético de paternidade.  Alguns dos pais que foram obrigados a reconhecerem seus filhos genéticos, jamais serão pais legítimos emocionalmente. Contudo, isso não tem impedido que os filhos busquem desatar seus “nós” psíquicos com esse reconhecimento.
As empresas também possuem identidade visual. Elas querem ser reconhecidas pelos seus símbolos. Mas, dentro desse símbolo, existe um significante: um sentido dado ao significado do símbolo, a realidade à qual o símbolo aponta; uma marca não é marca se não transmitir um conteúdo, uma mensagem, um valor. É o caso das marcas de luxo: “Enquanto os produtos de consumo corrente correspondem a benefícios de tipo funcional, as marcas de luxo remetem a benefícios simbólicos e, cada vez mais, a benefícios ditos ‘experienciais’, isto é, que implicam, no cliente, uma busca de experiências de emoções fortes excepcionais. A imagem de uma marca corresponde, então, ao conjunto das associações estocadas na memória do consumidor” (LIPOVETSKY, Gilles, O Luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas, São Paulo: Companhia das Letras , 2005, p. 136).
A identidade poderia nos remeter à ideia de pertencimento, contudo, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, “(...) ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda vida, são bastante negociáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’.” (BAUMAN, Zygmunt, Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi, Rio de janeiro: Jorge Zahar ed., 2005, p. 17).
As igrejas, por incrível que possa parecer, possuem também uma identidade, um registro com data, nacionalidade. Com significado e significante. Contém a ideia de pertencimento, mas, como Bauman fala, é preciso uma determinação firme a tudo isso.
A Igreja Presbiteriana do Brasil nasceu em 12 de agosto de 1859. Ela tem uma herança genética reformada. Oriunda dos reformados que são caracterizados pelo sistema calvinista de enxergar a realidade e a doutrina de modo geral. Nosso regime também nos caracterizar: governo de presbíteros.  No dia 12 desse ano (2014), a igreja fará 155 anos de história. Existe um DNA da igreja. Pode-se levantar sua paternidade.  Entretanto, essa paternidade não é como o caso brasileiro, onde muitos pais não querem reconhecer seus filhos e são obrigados a reconhecer judicialmente. Na paternidade reformada brasileira, parece existir aquilo que os psicanalistas chamam de caso histérico: destituição de autoridade. Em outras palavras, são os filhos que não querem se reconhecer como filhos no sentido da obediência ou da autoridade. É a destituição das autoridades.  Muitos estão rebeldes a essa filiação. Não reconhecem os marcos históricos e a sua identidade e, muito menos, seu pertencimento. Não há uma determinação firme em permanecer filho.
Há uma tentativa geral em destituir o mestre. Assim como na sociedade há um esvaziamento da autoridade e da origem, muitas igrejas estão entrando nessa histeria teológica.
Recentemente, uma tentativa de alterar um nome de determinada igreja gerou tamanha polêmica que precisou ser discutido o assunto. O que chama a atenção não é a mudança de nome em si, mas a tentativa de mudança de identidade. Os desavisados pensam que só é uma questão de mudança de nome. É como se um filho entrasse no cartório por achar seu nome feio, alegando sofrer um sofrimento psíquico e exposição a situações vexatórias. O nome tem significado e significante. Ele não é vazio. O novo nome escolhido pelo filho também contém preenchimento simbólico e existencial. Portanto, mudar o nome requer conteúdo subjetivo que transpõe a mera visão superficial.
Mudar um símbolo, uma figura, desenho, aquilo que muitos chamam de logomarca, não é algo impensado, pois requer estudo de representação simbólica: a que esse símbolo remete. Quando se escolhe bandeiras, escudos, marcas de empresa, o grupo pretende ser reconhecido por esses símbolos.
A IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) ao colocar a pomba na sarça, há cerca de 15 anos, pretendeu, de alguma forma, passar uma mensagem filosófica. Muitos não sabem e nem querem saber qual era esse significado, o fato é que, desde então, a igreja tem enfrentado crises de identidade. Estamos lutando para nos parecermos mais com os nossos pais e sermos reconhecidos como reformados. A retirada da pomba, independentemente das razões teológicas (claro que essas devem ser as razões principais), marca um retorno dos filhos querendo o reconhecimento do pai.
No “império das marcas”, não podemos ser ingênuos o bastante para acharmos que mudanças visuais são apenas visuais, elas vão além, são profundas, emaranhadas e intricadas subjetivamente, cheias de sentido.
A pomba voou. Contudo, com ela é preciso voar seus significantes. É preciso voltarmos aos nossos pais reformados e lutarmos pela nossa identidade reformada. Somos Presbiterianos. Isso implica genética reformada, história familiar reformada, princípios reformados passados de geração em geração. A nossa carteira de identidade tem foto e nossos documentos de Fé elaborados em Westminster de 1643 a 1649: Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve Catecismo, preenchem nosso significante. Não devemos remover os marcos antigos que nossos pais nos legaram. Há valores.  Há muito mais do que isso, uma sólida teologia que representa o que nós cremos. Um credo que identifica quem nós somos.  Eu tenho orgulho de meus pais e quero ser ligado a eles pelo meu nome e sobrenome. Quero que minha foto se assemelhe às belas feições deles.
Irmãos, tenhamos alegria em sermos quem somos!  Devemos lembrar dos grandes feitos do Senhor aos nossos pais (Sl 44).
“A identidade”, como bem frisou Bauman, “sejamos claros sobre isso – é um ‘conceito altamente contestado’. Sempre que ouvir essa palavra, pode-se estar certo que está havendo uma batalha. O campo da batalha é o lar natural da identidade. Ela só vem à luz no tumulto da batalha, e dorme e silencia no momento em que desaparecem os ruídos da refrega.  (...) a identidade é uma luta simultânea contra a dissolução e a fragmentação; uma intenção de devorar e ao mesmo tempo uma recusa a ser devorado...” (BAUMAN, Zygmunt, Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi, Rio de janeiro: Jorge Zahar ed., 2005, p. 83,84).
Lutemos pela nossa paternidade. Busquemos resolutamente permanecer fiéis ao nosso pertencimento e à nossa identidade reformada!


Não removas os marcos antigos que puseram teus pais” (Pv 22:28).

Deus nos abençoe!
Rev. Ricardo Rios Melo












  

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