O resto da minha vida


O resto da minha vida
rev. Ricardo Rios Melo

Século XXI: pessoas apressadas para não perder o dia. Depois da revolução do telefone e da tecnologia, o homem contemporâneo trabalha muito mais que as 8h pretendidas. O avanço da globalização e as maravilhas da internet facilitaram a vida do homem, mas também não os deixaram mais em paz. Redes sociais, email-s, SMS etc. fizeram do homem pós-moderno um escravo da tecnologia. Estamos o tempo todo conectados! Até as amizades viraram virtuais. Como resultado disso tudo, corremos, corremos e nunca chegamos à reta final. Há uma sensação de vazio! Nunca se termina o trabalho, pois sempre terá continuidade amanhã ou em segundos.
A vida pós-moderna levou o homem a um individualismo e a uma vida solitária em conjunto. Vivemos em grupos, contudo nossas ligações ficaram cada vez mais restritas a interesses egoísticos, hedônicos e fugazes.  Glilles Lipovetsky aduz:


Houve uma transformação do público que se deve ao fato de que o hedonismo, que na virada do século passado era o apanágio de um reduzido número de artistas antiburgueses, tornou-se o valor central de nossa cultura, em conseqüência do consumo de massa: (...) É então que entramos na cultura pós-moderna, categoria que designa para D. Bell o momento em que a vanguarda não mais suscita indignação, em que as pesquisas inovadoras são legítimas, em que o prazer e o estímulo dos sentidos se tornam os valores dominantes na vida comum. Neste sentido, o pós-modernismo aparece como a democratização do hedonismo, a consagração generalizada do Novo, o triunfo do “antimoral e do antiinstitucionalismo” e o fim do divórcio entre os valores da esfera artística e os do cotidiano.[1]


O fato é que o homem pós-moderno vive em função de seu prazer e, muitas vezes, esse prazer individual fere o prazer individual do outro. A idéia hedonista e epicurista voltou com força total: o homem busca o prazer como principal objetivo humano (Hedonismo) e evita o sofrimento a qualquer preço. Apesar de Epicuro de Samos (IV a.C) buscar o prazer moderado, a sua idéia, mesmo que um pouco distorcida atualmente, pode ser muito bem o retrato hodierno: a busca do prazer e a fuga do sofrimento. Para isso, o homem busca viver sozinho e, ao mesmo tempo, se depara com a necessidade de viver em sociedade:

Precisamos também observar o fato, absolutamente não trivial, de que nosso solitário moderno é habitante de uma metrópole. Como observou G. Simmel num texto de 1902, a vida nas grandes cidades sujeita o indivíduo a uma quantidade enorme de estímulos, desconhecida nas sociedades tradicionais. Para sobreviver psiquicamente, o homem metropolitano precisa desenvolver uma atitude de reserva, de indiferença e recusa ao envolvimento emocional com aquilo que lhe é externo: uma atitude blasé[2]. Essa atitude confere ao indivíduo um alto grau de liberdade e anonimato que leva, por um lado, a uma percepção da própria subjetividade como altamente pessoal, como razão direta do grande número de diferentes círculos sociais entre os quais ele transita, sem aderir completamente a nenhum. Mas por outro lado a atitude blasé, adaptação necessária a uma estrutura de extrema impessoalidade como a metrópole, tem como preço a solidão, cujo sentimento é maior devido à proximidade física com outros milhões de indivíduos.[3]

É necessário viver em sociedade. Entretanto, a forma como eu vivo em sociedade é que pode ser solitária, hedônica, narcisista. Eu posso me relacionar com o outro de maneira superficial, egoísta – apenas porque o outro é importante para o EU. Eu me satisfaço no outro e o outro me satisfaz.
Nesse “novo” mundo não há lugar para espiritualidade, mas sim, para uma espécie de “espiritualismo” individual. A idéia de que o crescimento espiritual se faz individualmente. Eu tenho que respeitar o outro para que ele respeite minha maneira de pensar e de agir. Não é um respeito por concordância ou por amor, mas por conveniência. Não existe interesse por Verdade Absoluta, pois ela impede que eu tenha a minha própria verdade e satisfação própria. Gene Veith aborda essa questão:

Quando não existem verdades absolutas, o intelecto dá lugar à vontade. Critérios estéticos substituem critérios racionais. Ouçam o modo como as pessoas falam de religião: “Realmente gosta daquela igreja”, é o que dizem. Concordar com aquela igreja ou crer nos seus ensinos pouco entra no caso. As pessoas discutem pontos de fé nesses mesmos termos. “Realmente gosto daquele trecho bíblico que diz ‘Deus é amor’.” Tudo bem e amém. Há muito que apreciar no Cristianismo – o amor de Deus para conosco, Cristo ter levado os nossos pecados, sua graça e seu auxilio.
Mas então começamos a ouvir sobre aquilo de que não gostam. “Não gosto da idéia do inferno”. Certamente é uma reação apropriada – quem haveria mesmo de “gostar do Inferno? Mas nossa aversão natural para com essa doutrina não vem ao caso, naturalmente. A questão não é se gostamos dela, mas se existe um lugar assim.[4]


Diante desse quadro, cabem-nos algumas perguntas: 1) O que fazermos do resto de nossas vidas? 2) Onde passaremos o resto de nossas vidas? 3) Com quem estaremos no resto de nossas vidas?  
Antes que você responda essas perguntas, vamos arrazoar sobre a seguinte questão: como nos relacionamos com o mundo e com as pessoas? Se você se relaciona como foi descrito até o momento, meus pêsames: você é uma pessoa pós-moderna. Isso significa que você está só em meio à multidão. Também se depreende que você está vazio e sem objetivos concretos - você está correndo atrás do vento: “Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento (Ec 4.6). “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” (Ec 2.11).
Se você é pós-moderno, tem se dedicado demasiadamente àquilo que não lhe trará bem final, pois o resto de sua vida será o resto de suas forças. O trabalho já sugou tudo que você tinha de melhor; corroeu suas forças, e você, o que recebeu em troca? Eu lhe respondo: não viu seus filhos crescerem; não deu atenção a sua família; não curtiu seu tão precioso dinheiro; não tem amigos, mas parceiros de interesse; adquiriu doenças, fadigas e agora quer curtir sua aposentadoria, o resto de sua vida, virou realmente resto! É claro que você deve ter tido prazeres momentâneos, entretanto não valem uma vida desperdiçada.
Salomão, o homem mais sábio segundo a Bíblia, chegou à triste conclusão de que no mundo não há nada que mereça nossa entrega total, pois tudo não passa de vaidade e correr atrás do vento: “Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” (Ec 1.14). 
Entretanto, muitos de nós não aprendemos com a sabedoria de Salomão. Estamos aderidos, colados em um mundo que é apenas passageiro.
Paulo faz uma constatação impressionante e realista: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” 1 Co 15.19.
Querido, como você se dedica e ao que dedica sua vida hoje determinam como será o resto de sua vida. Portanto, cuidado com suas escolhas! Elas têm drásticas conseqüências.
Acredito que o homem pós-moderno vive como se não houvesse a eternidade. Seu lema atual e praticante é Carpe Diem (colha o dia), “deixa a vida me levar”.
Mas, deixe-me falar mais uma coisa. O pior disso tudo é que tem pessoas que se dizem cristãs com o comportamento pós-moderno: dedicando sua vida e toda sua força naquilo que desvanece. Muitos se relacionam com a igreja por interesse. Se relacionam com o próximo por interesse. Tentam, como se isso fosse possível, se relacionar com Deus por interesse. Relacionam-se de maneira pós-moderna: hedônica. Eles são “crentes” que, em vez de estarem cheios do Espírito Santo, estão cheios do vazio pós-moderno.
Se realmente somos crentes, precisamos concluir como Paulo: Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8).

Deus nos faça homens e mulheres que glorifiquem Seu precioso nome a despeito das eras e épocas.

Rev. Ricardo Rios Melo.






[1] Lipovetsky, Gilles. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri, SP, Manole, 2005, p. 83.
[2] Segundo o Aurélio: Palavra francesa que significa homem entediado de tudo, ou na realidade, ou por afetação. Diz-se do ar, do procedimento, do comportamento, etc. que revelam tédio, indiferença.    
[3] CASTRO, Celso. Homo solitarius: notas sobre a gênese da solidão moderna. Interseções- R.de Est. Interdisciplinares, Rio de Janeiro, v.3 , nº 1, p.79-90 , jan./jun.2001. http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/461.pdf - acesso em 23 de setembro de 2011 – (pg 7 e 8 do arquivo em PDF).
[4] Gene Edward Veith, Jr. Tempos Modernos – uma avaliação do pensamento e da cultura da nossa época. São Paulo-SP, Cultura Cristã, 1999, p. 187. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

“Sem lenço e sem documento” – uma análise do crente moderno

“Como se não houvesse amanhã”

Aborto; aborte essa idéia!