As escolhas que fazemos

As escolhas que fazemos

Rev. Ricardo Rios Melo

Nesse período em que fiquei de licença médica, pensei muito e orei ao Senhor sobre a prática ministerial. Tenho feito reflexões sobre a igreja local e, de modo geral, a igreja espalhada por todos os cantos. Tenho pesquisado com colegas de ministério, livros, internet e membros de igreja. A minha inquietação é sobre a espiritualidade, mais especificamente, sobre a comunhão que temos com o Senhor e a apatia que se encontra na igreja de modo geral.

O autor que me ajudou nesse período de reflexão foi John Owen. Ele nos fala que a comunhão que temos com Deus é variável e oscila de acordo com a nossa experiência pessoal com Ele. Contudo, a união que temos com o Senhor jamais varia, pois é unilateral. É Deus quem garante (OWEN, John. Comunhão com o Deus Trino, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p 42). João retrata bem esse amor manifestado em Jesus aos seus discípulos e também a nós: “Antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, e havendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13.1). Fique alegre! Exalte a Deus! Jubile! Pois, apesar de nós, Deus continua nos amando!

Bom, a minha inquietação foi em parte resolvida, pois ainda que estejamos apáticos e, muitas vezes, afastados da comunhão com Deus, continuamos unidos a Ele em Cristo. Entretanto, o afastamento da comunhão divina é horrendo! É devastador! É um momento em que não ouvimos a voz do Espírito: “Não extingais o Espírito” (1 Ts 5:19). No contexto de Tessalonicenses, o significado de apagar o Espírito é de não dar ouvidos às profecias pregadas. “Ao menosprezarem os pronunciamentos dos profetas que se encontrar em seu meio, estão depreciando a obra daquele que não é outro senão o próprio Espírito Santo” (HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Tessalonicenses, São Paulo, Cultura Cristã, 1998, p. 206). O afastamento da comunhão com Deus nos leva a pecar e não ouvirmos a voz de Deus por intermédio de Sua Palavra. Começamos a desprezar a pregação do Evangelho.

Todo ministro do Evangelho deve fazer um auto-exame e sempre confrontar sua prática ministerial com a Palavra. Isso foi o que eu aprendi com os meus mestres humanos e com a própria Confissão de Fé de Westminster e, principalmente, com a Bíblia. Pois bem, o que continua trazendo inquietação é que vejo claramente nas Escrituras, livros e confissões que o método de Deus para trazer ânimo, alegrar, motivar, evangelizar, converter, admoestar é a Palavra.

No entanto, o que vejo na igreja moderna é uma tentativa de agradar e criar um ambiente maquiado no afã de atrair ou segurar as pessoas. Hoje, em muitos lugares, o que segura uma pessoa na igreja não é a Palavra, mas, os cânticos, amizade, conforto, proximidade com a residência, pregação curta (algumas vezes inculta), pastores que se vestem despojadamente, para quebrar a idéia de distância e rigor, pouca ingerência na vida, culto aberto e “espontâneo”, “curas”, “expulsão demoníaca”, piadistas: tudo, menos a Palavra ministrada com fidelidade.

É claro que hoje se tem o fenômeno da igreja emergente, inclusive de “pregação reformada”. A idéia é flexibilizar o culto, a linguagem, o vestuário do pastor e fazer um talk show: o pastor anda de um lado para outro e fala das questões contemporâneas à luz das Escrituras. Algumas vezes, é o seguinte: ele pega um tema da semana ou do mês e procura nas Escrituras algo a dizer sobre aquilo. Enquanto aprendemos que o sermão parte das Escrituras para a aplicação à nossa realidade, a idéia contemporânea parece-me o contrário, parte das demandas e principalmente de polêmicas.

Antes de tudo, não é o meu intuito negar as contribuições desses tipos de movimento. Sei que muitas pessoas vêm a Cristo por intermédio desses ministérios. O problema é que os fins não justificam os meios! Ainda que a pregação às vezes (em alguns lugares e raramente) seja bíblica, ela não pode e não deve ser adornada com o pragmatismo moderno. O que deve atrair o pecador ao culto não é o método, mas o Deus da Palavra. Assim como Neemias achou o Livro e se alegrou com o povo, a Reforma trouxe a Palavra de volta e é por isso que devemos nos alegrar! Michael Horton faz uma excelente reflexão sobre os nossos dias e a mensagem contemporânea:

A pergunta para todos nós é se acreditamos que a igreja é o lugar onde o evangelho é regularmente proclamado e confirmado tanto para os cristãos quanto para os não cristãos. Como muito líderes da Igreja emergente, Kimball invoca um famoso verso de Francisco de Assis que eu também ouvi enquanto crescia em meio ao evangelicalismo conservador: “Pregue o evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”. Kimball continua dizendo: “nossa vida prega melhor do que qualquer coisa que possamos dizer” (...) se for assim, então esta é apenas mais uma má notícia, não apenas por causa das estatísticas que já vimos que provam não haver nenhuma diferença real entre cristãos e não cristãos, mas porque, apesar de minhas melhores intenções, não sou uma criatura exemplar. Os melhores exemplos e as melhores instruções – até mesmo as melhores doutrinas – não me aliviarão da batalha com o pecado que habita em mim até eu dar meu último suspiro. Encontre-me em meu melhor dia – especialmente se você tiver acesso aos meus motivos ocultos, pensamentos e atitudes – e vou fornecer combustível para acusação de hipocrisia e vou desapontar aqueles que se tornam cristãos porque pensam que meus companheiros cristãos e eu somos o evangelho. Sou um cristão não porque penso que posso seguir os passos de Jesus, mas porque ele é o único que pode me carregar. Não sou o evangelho, somente Jesus Cristo é o evangelho. A História dele me salva não apenas por trazer-me justificação, mas por batizar-me em sua vida de ressurreição (HORTON, Michael. Cristianismo sem Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 97,98).

O evangelicalismo moderno diz que o nosso método é obsoleto! É necessário modificarmos o nosso método para nos comunicar com o homem de hoje. Mas, a pergunta ainda é a mesma: qual é a diferença do homem de hoje para Adão caído? Nenhuma! Ainda que o pecado seja mais sofisticado, ele continua sendo pecado. Paulo em sua segunda carta à Timóteo (caps. 3 e 4) fala dos últimos dias e nos orienta sobre o método correto de enfrentá-lo: “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda longanimidade e doutrina” (2 Tm 4.2).

Queridos, minha inquietação me levou a buscar o Senhor e repensar meu ministério. O que será que tenho feito de errado? Várias coisas com certeza! Sou pecador, como conseqüência, um homem falho. Contudo, o que eu tenho escolhido para resolver minha insuficiência? Permanecer fiel às Escrituras. Por mais que seja falho e cometa pecados, entendo que minha força vem de Deus! Do Deus da Palavra! Portanto, não posso sucumbir aos apelos modernos na tentativa desesperadora de acabar com a apatia da igreja. Não posso e não devo climatizar a igreja para alcançar pecadores! Não posso restabelecer a comunhão dos crentes com Deus por intermédio de uma igreja amigável. Contudo, a boa nova é essa: se você for realmente crente, ainda que esteja afastado da comunhão com Deus (algo que é terrível), Deus nunca se afasta de nós! “Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5).

Reveja sua vida e suas escolhas! Não escolha uma igreja ou ir ao culto por causa dos amigos, pastor, conforto, segurança, cânticos etc. Escolha Deus! Procure um local e um culto que tenha a exposição correta das Escrituras! Essa é a melhor escolha que você fará na vida. Os amigos passam, os pastores se vão, o conforto é relativo, a segurança é ilusória, os cânticos novos ficam velhos; mas a Palavra de Deus permanece para sempre! Ore e busque o Senhor para restabelecer sua comunhão! Medite em Sua lei dia e noite! Pois esse é o melhor e único remédio para a apatia!

Termino com uma parte da música do Grupo logos:

Mas o verdadeiro evangelho exalta a Deus

Ele é tão claro como a água que eu bebi

E não se negocia sua essência e poder

Se camuflado a excelência perderá!

Deus nos abençoe!

Rev. Ricardo Rios Melo

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