Onde está a loucura da pregação?


Há tempos, temos visto a perda do vínculo com a Palavra de Deus. O púlpito poderoso foi substituído por sistemas mais inovadores e mais atrativos. Muitos pregadores perderam a confiança ou se venderam aos tempos modernos. É compreensível, mas não aceitável, a desculpa de que os tempos são outros. Um sem número de pessoas acostumadas com os novos estímulos visuais e auditivos não consegue mais prestar atenção a um sermão com mais de 35 minutos (sendo bastante otimista).

Soma-se aos estímulos contemporâneos, o nosso mundo fast, onde tudo tem que ser muito rápido. A internet tem que ser cada vez mais rápida e as informações também. As músicas, que há muito eram para ser apreciadas e analisadas por uma platéia atenta e emocionada, hoje são tocadas em um rádio dentro de um carro cheio de pessoas conversando e ninguém prestando atenção na melodia ou na letra. Talvez seja aquilo que os filósofos contemporâneos chamam de mundo Holywoodiano, onde cada um de nós tem uma trilha sonora particular.

A nossa anamnese deve passar também pelo foco da praticidade, ou melhor, do pragmatismo moderno. As pessoas querem resultados! Elas querem ouvir algo que fale de sua situação atual e de suas necessidades. Uma espécie de existencialismo pragmático: tem que dar resultado e esse resultado tem que se relacionar com minha existência. Isso não tem nada a ver com aplicação de sermão à vida prática, não! O modernismo quer respostas pessoais a perguntas pessoais. E essas respostas devem se adequar às respostas que o indivíduo já tem, ou seja, querem ouvir o eco de suas vozes. Qualquer resposta fora desse padrão é fora do padrão individualista moderno.

Manter-se firme dentro desse panorama é muito difícil! “Não é tão dramático dizer que o ministério contemporâneo perdeu vínculo com a Palavra de Deus, ou, dizendo de outra maneira, a Palavra de Deus não tem mais um papel primordial sobre a vida e a prática dos ministros do evangelho há cerca de cinqüenta anos”[1]. A pregação superficial surge, de certo modo, do clamor de um mundo superficial no qual a competição “por um lugar ao sol” não dá espaço para longas reflexões e introspecções.

Mas, o que tudo isso pode trazer de prejuízo para nós? Será que o encurtamento e enfraquecimento dos sermões, a ponto de se extinguir a exegese apurada e uma interpretação alicerçada no labor do estudo, pode gerar problemas para nossa vida? John Macarthur Jr. acha que sim. Ele nos fala de, no mínimo, quinze conseqüências do esvaziamento da pregação – “as conseqüências devastadoras de uma mensagem diluída[2]”: 1) Usurpa a autoridade de Deus sobre a alma; 2) Remove da igreja o senhorio de Cristo; 3) Obstrui a obra do Espírito Santo, pois o mesmo usa a Palavra como instrumento de regeneração e correção; 4) Demonstra arrogância e falta de submissão; 5) Separa o pregador da graça santificadora proveniente das Escrituras; 6) Obscurece a verdadeira profundidade e transcendência de nossa mensagem, ao mesmo tempo em que enfraquece tanto a adoração congregacional como a adoração pessoal; 7) Impede o pregador de desenvolver a mente de Cristo; 8) Deprecia, por meio do exemplo dos pregadores, a prioridade e o dever espiritual do estudo bíblico particular; 9) Impede o pregador de ser a voz de Deus em todos os assuntos de seu tempo; 10) Produz uma congregação tão fraca e indiferente à glória de Deus quanto o seu pastor; 11) Rouba às pessoas a sua única fonte de ajuda verdadeira; 12) Estimula as pessoas a se tornarem indiferentes à Palavra e à autoridade de Deus; 13) Engana as pessoas quanto ao que elas realmente precisam; 14) Remove o poder do púlpito; 15) Atribui a responsabilidade de mudar as pessoas à habilidade do pregador.

A pregação tem um grande destaque para os reformadores. Principalmente, para João Calvino. “Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é através dela que Deus nos fala. Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e através da Palavra”.[3]

Infelizmente, vivemos em mais um período de afastamento da Palavra e, conseqüentemente, esfriamento da fé. Todas as vezes em que a Palavra de Deus é negligenciada, a igreja e o mundo sofrem conseqüências danosas em todas as áreas e, principalmente, no âmbito moral. Há uma natural aquiescência do pecador ao desvio da Palavra, pois ele sempre quer adiar o confronto inevitável com a retidão de Deus. Talvez isso explicasse a facilidade e, até mesmo, o fascínio que muitos têm por pregações superficiais e com um alto teor apelativo emocional.

Para que um pregador seja bem sucedido nesse novo quadro, ele deve ser leve.
“Os especialistas nos dizem que pastores e líderes de igrejas que desejam ser mais bem-sucedidos precisam concentrar suas energias nesta nova direção. Forneça aos não-cristãos um ambiente inofensivo e agradável. Conceda-lhes liberdade, tolerância e anonimato. Seja sempre positivo e benevolente. Se for necessário pregar um sermão, torne-o breve e recreativo. Não pregue longa e enfaticamente. E, acima de tudo, que todos sejam entretidos. As igrejas que seguirem estas regras experimentarão crescimento numérico, eles nos afirmam; e as que as ignorarem estão fadadas à estagnação.”[4] “ As inovações que estão sendo tentadas são extraordinárias e, até mesmo, radicais. Algumas igrejas, por exemplo, realizam seus maiores cultos na sexta ou sábado à noite, em vez de no domingo. Tais cultos são repletos de música e entretenimento, oferecendo às pessoas verdadeiros substitutos ao teatro e às atividades sociais. Os membros de igreja agora podem "cumprir sua obrigação de ir à igreja", ficando livres para usarem o fim-de-semana como quiserem. Um desses freqüentadores de cultos aos sábados explicou por que esses cultos alternativos são tão importantes: ‘Se você vai à escola dominical às 9:00 e ao culto das 11:00 horas, acaba saindo da igreja perto das 13:00 horas da tarde; isto praticamente liquida o dia’. A julgar pela freqüência aos cultos, muitos dos membros de igreja sentem que passar o Dia do Senhor na igreja equivale a desperdiçar o domingo por completo. Os cultos não-dominicais, em algumas igrejas, estão sendo mais freqüentados do que aqueles que tradicionalmente ocorrem aos domingos”.[5]

Onde está a loucura da pregação? Parece que as pessoas se esqueceram que Deus escolhe tanto os fins quantos os meios. Só a Palavra de Deus pode dar vida aos mortos. Só se pode nascer do alto se a pregação for do alto! Não adianta baratearmos o evangelho para obtermos resultados visíveis, pois Deus vê o invisível! É claro que todos gostaríamos de ver nossas igrejas lotadas de pessoas, qual ministro não gostaria? Contudo, isso só deve ser desejado em submissão à Palavra de Deus.

Querido, talvez você tenha muitas reivindicações para fazer a respeito da pregação e dos pregadores, mas você já se deu conta de que antes de reivindicarmos qualquer metodologia ou fidelidade da pregação, devemos estar atentos à própria pregação. Talvez você tenha se tornando um ouvinte tardio (Hb 5.11) e, por isso, não tenha mais prazer na pregação genuína das Escrituras.

Acreditamos que uma boa parcela de culpa do enfraquecimento dos púlpitos seja dos pregadores. Contudo, muitos desses pregadores cederam, sem desculpas, às pressões dos ouvintes que têm coceiras (2 Tm 4. 3) nos ouvidos.

Entretanto, antes de procurarmos culpados, cabe resolvermos o problema: voltarmos à loucura da pregação! Pois, somente ela restaurará a igreja e salvará as ovelhas perdidas.
“Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação” (1 Co 1.21).

Aumenta-nos a fé, Senhor!

Rev. Ricardo Rios Melo.

[1] John Armstrong, O Ministério Pastoral Segundo a Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p 23.
[2] Ver John Macarthur, Ouro de Tolo? Discernindo a verdade em uma época de erro, São José dos Campos, SP: Fiel, 2006, p 33-44.
[3] Hermisten M. P da Costa, A Relevância da Pregação na Teologia de Calvino –– 17/10/08 (Obra não publicada), p. 19.
[4] John MacArthur, Jr. Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos-SP: Fiel,1997, p. 46.

[5] John MacArthur, Jr. Com Vergonha do Evangelho, Fiel, São José dos Campos-SP, 1997, p. 46.

Comentários

Renato Cunha disse…
Ricardo, permita-me a intimidade.

Penso, particularmente, que o grande problema da falta de loucura na pregação é a falta de loucos nos púlpitos. Loucos que contagiem os sãos e demonstrem um evangelho que vai além das palavras. Afinal, o evangelho de Deus é muito mais que mera conversa.

Os púlpitos devem se perder na insanidade que transcende os ouvintes e atinge a mente e o coração de gente sã à beira do surto. Não a loucura que você denuncia em que vários se perdem julgando que ao oferecer uma ajudazinha secular ao Espírito haverão de movimentar a Igreja. Promover algo novo, digno de nota. Esquecem-se que o antigo revoluciona muito mais. Por que o antigo é o poder de Deus. E nada mais admirável que o poder do antigo em se renovar sem mudar a essência. Assim como as misericórdias na aurora do novo dia.

Ademais, faltam vidas santas. Não adianta ser louco manquejando entre a sanidade e a loucura. É preciso andar altaneiro com ambas as pernas. Um louco são que caminha firme no terreno arenoso do pecado e da indiferença.

Só assim haveremos de perceber diferenças. Mas enquanto os sãos estiverem dominando as tribunas, nada acontecerá. Pra desgraça da Igreja e pra nossa própria vergonha.

Parabéns pelo artigo.

Um grande abraço.
Caro Renato, Fique tranqüilo com relação a intimidade.
Creio que seu comentário foi muito preciso e pertinente. Precisamos de vidas santas e corações incendiados pelo Senhor! Desse modo, incendiaremos o mundo! Para você ter uma idéia, o Dr. Martin Lloyd-Jones disse, no passado, que só fez duas pregações em sua vida. A decepção dele é que ele estava sonhando nas duas!
Se esse homem de Deus fala isso, o que será de nós?

Deus o abençoe irmão!

Abração!

Ricardo Rios.

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