Onde estão nossas lágrimas?



Há muito, “num relatório da Conferência Estudantil Missionária de 1900, há no apêndice uma declaração: CASO houvesse um único cristão no mundo e ele trabalhasse e orasse durante um ano para conquistar um amigo para Cristo, e CASO, então, essas duas pessoas continuassem a cada ano a conquistar mais uma pessoa, e “CASO cada pessoa que também foi trazida ao reino conduzisse a cada ano uma outra pessoa a Cristo”. A progressão matemática revelou que ao final de 31 anos haveria mais de dois bilhões de cristãos. Alguns talvez duvidem da validade dos cálculos, os quais estão inteiramente fora do domínio das leis da probabilidade ou das promessas da Palavra de Deus. Outros talvez questionem o acerto de um cálculo que parece levar em conta que todos os que se tornarem cristãos estarão vivendo durante todo aquele período de 31 anos, embora saibamos que aproximadamente um trigésimo da população da terra morre a cada ano. Deixando tais indagações de lado, quero simplesmente considerar o princípio sobre em que o cálculo se baseia. Desejo destacar o efeito que haveria, caso a verdade substancial contida nessa idéia fosse verdadeiramente crida, pregada e praticada. A verdade é: Cristo quis que cada crente fosse um ganhador de almas. (...) Cristo chamou Seus discípulos de a luz do mundo. O crente é um ser inteligente. Sua luz não brilha como uma força cega da natureza, mas é a iniciativa voluntária de seu coração para alcançar aqueles que estão nas trevas. Ele anela trazê-los à luz, fazer tudo ao seu alcance para que eles conheçam Cristo Jesus” (MURRAY, Andrew, in: Missões Transculturais – O Problema Missionário, São Paulo, Mundo Cristão, p. 1020-1026).

Essa afirmação de Murray deve trazer desconforto para a igreja hodierna e, principalmente, para cada um nós, pois ela vai no âmago da questão: nós somos ganhadores de alma. Deus nos chamou para adorá-LO, contudo essa adoração passa pela missão indispensável da evangelização; não se pode ser considerado crente sem que haja em nós um ardor pelas almas perdidas.

Joseph Alleine, um grande servo de Deus do passado, no início de seu livro, faz um apelo comovente: “Mas, ó Senhor, quão incapaz eu sou para esse trabalho. Pobre de mim. Com que poderei traspassar as escamas do leviatã ou fazer o coração sentir que é tão duro quanto a mais dura pedra? Irei falar aos sepulcros, e esperarei que os mortos me obedeçam e venham para fora? Farei um discurso às rochas ou falarei às montanhas, pensando que elas se moverão com argumentos? Acaso eu farei o cego ver? Desde o começo do mundo, nunca se ouviu que um homem abrisse os olhos de cego (Jo 9.32). Eu somente posso tentar armar o arco, mas Tu diriges a flecha entre as junções da armadura. Apaga o pecado e salva a alma do pecador que lança seus olhos sobre essas páginas’” (ALLEINE, Joseph, Um Guia Seguro para o Céu, São Paulo, PES, 1987, p. 11,12). Esse ardor pelas almas perdidas é fundamental para evangelização.

Muitas pessoas pensam que o problema missionário ou evangelístico depende de recursos financeiros ou de estratégias. Essas pessoas dedicam tempo e dinheiro em ações missionárias e evangelísticas por todo o mundo, mas se esbarram em uma barreira que é crucial para o avanço missionário e evangelístico: o sentido da urgência do Evangelho; a necessidade que o homem tem de prestar contas a Deus. Talvez a letargia da igreja seja uma conseqüência da percepção equivocada de que Cristo demorará a voltar. Mas, nesse instante, você pode me perguntar, quem sabe o dia e a hora? A reposta do Senhor é explícita: “Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (At. 1.6-8).

Dentro desse texto de Atos, o curioso é que Jesus diz que não compete sabermos o tempo de sua volta ou da restauração de Israel, mas nos diz que teremos poder. Poder de quê? Poder de ser testemunhas em todos os lugares que passarmos (At. 1.18). Esse é o grande poder que Deus nos confere pelo Espírito: o poder de testemunhar dEle.

Destarte, essa palavra que serviria de impulso para evangelização, já que temos o poder dado pelo Espírito de Deus, parece que se calou dentro de nós, pois estamos frios e sem poder algum. Cadê o poder da Igreja? Cadê as conversões? Cadê nossos amigos convertidos? Nossas famílias? Você então, a essa altura, me dirá: é Deus que converte! Eu lhe responderei: é sim! Contudo, o meio que Deus utiliza são os nossos lábios, mãos, olhos, pernas, cabeça, ou seja, é a nossa vida e nossa proclamação do Evangelho: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm. 10.14). Como entenderão se não há quem explique? (At. 8.31).

Muitos de nós somos tão egoístas que não passa por nossa mente a imagem aterradora das dores que sofrerão nossos queridos que não conhecem o Deus da Bíblia. É necessário compreendermos o tamanho de nosso débito para com Deus. “(...) quando o débito parece pequeno, estamos prontos e aptos para subestimar o perdão. No entanto, quando o pecado parece excessivamente maligno, isso faz com que valorizemos a misericórdia e apreciemos o perdão. Quando o pecado é visto como o maior mal, a misericórdia e perdão serão compreendidos como os maiores bens” (WATSON, et alii.; Os Puritanos e a Conversão, SãoPaulo, PES, p. 47).

Muitas igrejas estão buscando o poder dos milagres, o poder dos sinais e maravilhas; eu rogo a Deus pelo poder de testemunhar! Que nossa igreja tenha esse poder! Que você seja incomodado pelo assombro de imaginar o terror que será o inferno e que boa parte de sua população é formada por pessoas que amamos enquanto vivos: filhos, esposa, marido, pai, mãe, irmãs (os), parentes e amigos, que tanto nos alegram hoje, estão amargando e sentindo o hálito horrendo do inferno! Estarão separados de nós eternamente. Jamais os veremos. E o pior, estarão separados de Deus eternamente.

Queridos, falta-nos amor! Falta-nos ardor de um coração que queima! Faltam-nos as lágrimas pelos perdidos. “Em Boston, John Vassar, grande ganhador de almas, bateu à determinada porta e perguntou à senhora que atendeu se ela conhecia Cristo como Salvador. Ela disse: ‘isso não é da sua conta’, e bateu a porta na cara dele. Ele ficou sentado na escadinha diante da porta e chorou, chorou; ela estava olhando pela janela e viu-o chorar. No domingo seguinte, ela se apresentou na igreja e pediu para se tornar membro. Ela disse que o motivo haviam sido aquelas lágrimas. Irmãos, onde estão nossas lágrimas?” (GRAHAM, Billy, Somos Evangelistas Aceitáveis a Deus? in: O Evangelista e o Mundo Atual, São Paulo, Vida Nova, 1986, p. 39). Onde está seu choro pelos perdidos? O que aconteceu com você que não fala do que lhe mais é precioso: o amor de Cristo? Onde estão nossas lágrimas? Que o Senhor nos constranja! Nos incomode! E ainda que venham dores por causa do Evangelho. Podemos dizer como Calvino: "Senhor, tu me esmagas, mas para mim é suficiente que seja pela tua mão".

Senhor, dá-nos lágrimas pelos homens perdidos, pois sabemos que cada gota derramada em vida é melhor do que todo sofrimento vindouro para aqueles que não receberão seu consolo!

Igreja, avante! O Mestre está chamando!

Deus nos incomode!

Rev. Ricardo Rios.

Comentários

Unknown disse…
Muito bom o texto, sem falar na inspiração.
Abc.
Renato Cunha disse…
Rev. Ricardo,

Permita-me abrir o coração e chorar agora (Na verdade já estou). Alguns vão achar pieguice, mas não tem importância. Fazia um bocado de tempo que não lia algo parecido. Escrever, já escrevi um pouco sobre esse sentimento, embora não tenha publicado nada. Chorei noites a fio no secreto do meu quarto. À semelhança de Elias, disse a Deus que o clamor pelas almas perdidas tinha sido calado com a voz do último dos puritanos. Lia-os continuamente como que buscando motivação num passado que teimava em não voltar.

Frustrado, resignado, impotente, derramei-me diante de Deus e pedi a morte. Mas aí, na noite de hoje eis que o Senhor de graça e bondade me responde: Calma filho. Ainda há o remanescente... Ainda não é chegado o fim.

Minha alma foi revigorada. A chama flamejante que ardia outrora no peito foi realimentada. A esperança por novos dias retornou! Eis que aquela voz do passado voltou a bradar e dizer que o Espírito não morreu com os puritanos. Não! Ele vive! Por isso, posso sentir alegremente as lágrimas brotarem como que anúncio de um novo tempo. Choro de alegria, invés de pranto desesperançoso. Eis que a aurora aponta no céu, vencendo a escuridão, trazendo a luz do mundo.

Deus o abençoe rica e abundantemente.

Do teu conservo em Cristo, e honradamente feliz por sê-lo
Rev. Ricardo,

Parabéns por mais um excelente post!

Rapaz, ontem recomendei a leitura de seu blog ao Renato... pelo visto ele gostou...(rs).

Deus o abençoe, meu irmão!
Caro Renato,

Fico feliz pelo seu choro! É estranho dizer isso, mas nada melhor do que um coração que chora.

Sabe, irmão, fico olhando as discussões teológicas e, diga-se de passagem, gosto muito delas. Contudo, algo me atormenta: fora de nossa torre de marfim, existem pessoas que não conhecem a salvação em Cristo; estão alheias aos nossos arrazoados teológicos.

Não sou simplista. Entretanto, clamo pela simplicidade do Evangelho e pelo amor que moveu Cristo a morrer por nós e os discípulos a disporem suas vidas pelos perdidos.

Vamos teologar, mas que essa teologia seja viva em nós. A verdadeira teologia não pode me deixar frio!

Que o Senhor aqueça nosso coração e nos dê lágrimas pelos perdidos!

abs,
Rev.Ricardo Rios
Jessé,
Obrigado pela visita.
Deus tem me incomodado nesse sentido.

Soli Deo Gloria

abs,
rev. Ricardo Rios.
Alexandre,
Você é sempre gentil e piedoso. Obrigado por divulgar esse singelo espaço.

Deus os abençoe!

Que tenhamos pescadores de almas oriundos do JMC!

Ps. Emocionei-me com o testemunho de Renato. Creio que emergiu das profundezas de sua alma.

abs,
Rev. Ricardo Rios.
Renato Cunha disse…
Rev. Ricardo,

De fato foi das profundezas da alma. E há algum tempo não vivia o que revivi nesta leitura. Também almejo uma teologia que pulse vida e disposição para o trabalho missionário.

Agradeço ao Alexandre a recomendação mais que apropriada. Parabéns pelo post!

Renato.
Importante reflexão para nos alertar quanto ao amor pelas almas e a realidade da vida eterna 🙏

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