Com que armas lutaremos?



Cornelius Van Til (1895-1987), antigo professor de apologética do Westminster Theological Seminary, apesar de não ser tão conhecido em nosso cenário e nem traduzido, se faz presente na epistemologia reformada e, principalmente, na formação de seu talentoso aluno, Francis Schaeffer (1912-1984).

Em sua “Apologetics”, obra não publicada em português, Van Til nos diz que a defesa da fé não deve ser apenas nas “trincheiras”, aguardando os ataques dos inimigos. Nós devemos ir ao campo inimigo como “espias” que sempre carregam suas armas para possíveis confrontos. Se guardarmos bem a nossa fortaleza e usarmos dos recursos disponíveis para a defesa de nosso “forte” (o Teísmo Cristão), “não haverá, então, lugar para o inimigo. Nós travamos uma guerra tanto ofensiva como defensiva. As duas coisas não podem ser separadas. Mas, nós não precisamos deixar o forte para travarmos uma batalha ofensiva” (Cornelius Van Til, Christian Apologetics, New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1976, p. 4). Em outras palavras, devemos partir para o ataque sem descuidarmos do forte.

A idéia inicial de Van Til em seu trabalho apologético é nos dizer que existe uma guerra. Não existe neutralidade nessa guerra. Esse combate, apesar de ter sido ilustrado de modo bélico, é espiritual em primeira instância, mas também atinge o campo epistemológico, pois todo o nosso conhecimento a priore não é imune aos nossos conceitos e pré-conceitos religiosos, filosóficos, históricos, emocionais, vivenciais. Portanto, todas as pessoas partem de um princípio para estabelecer sua teia de conhecimento e, conseqüentemente, suas ações. Todo pensamento humano é composto de pressupostos.

Seguindo essa premissa, percebemos que, de modo prático, a nossa batalha passa por várias esferas. Primeiramente, é necessário conhecermos o cristianismo e algumas de suas premissas básicas: 1) a existência de Um Deus Trino que é, ao mesmo tempo, transcendente e imanente. Ele é distinto de sua criatura em essência, magnitude, poder e por vários aspectos do Seu ser: imutável, independente, Uno (não é composto de partes); 2) o cristianismo acredita na existência e possibilidade do conhecimento da Verdade, que é absoluta e objetiva, e crê na real possibilidade de comunhão com Deus e de conhecê-lo – na metafísica cristã, Deus é qualitativamente distinto dos demais seres – isso é uma diferença radical, uma vez que, na Teogonia de Hesíodo ou na Odisséia de Homero, os deuses gregos são reflexos dos seus adoradores.

Platão, usufruindo da graça comum, adverte seus contemporâneos para a essência de Deus: “E Deus é essencialmente simples e verdadeiro, em atos e palavras. Deus não muda de forma e não engana os outros, nem por simulacros nem por discursos nem pelo envio de sinais, no estado de vigília ou nos sonhos” (Platão, A República de Platão, São Paulo, Nova Cultura, 1999, p. 72). Platão, sem conceito nenhum do Cristianismo, pois o mesmo ainda não existia, e sem nem mesmo partilhar do conceito monoteísta judaico, faz uma afirmação confrontadora e polêmica para sua época: “mendigos e adivinhos vão às portas dos ricos tentar persuadi-los de que têm o poder, outorgado dos deuses devido a sacrifícios e encantamentos, de curar por meio de prazeres e festas, com sacrifícios, qualquer crime cometido pelo próprio ou pelos seus antepassados e, por outro lado, se quiser fazer mal a um inimigo, mediante pequena despesa, prejudicarão com igual facilidade justo e injusto, persuadindo os deuses a serem seus servidores – dizem eles – graças a tais ou quais invocações e feitiçarias. Para todas estas pretensões, invocam os deuses como testemunhas, uns sobre o vício, garantindo facilidades (...). Outros, para mostrar como os deuses são influenciados pelos homens, invocam o testemunho de Homero, pois também ele disse: ‘Flexíveis até os deuses o são. Com as suas preces, por meio de sacrifícios, votos aprazíveis, libações, gordura de vítimas, os homens tornam-nos propícios, quando algum saiu do seu caminho e errou’ (Ilíada IX. 497-501)” (Platão, A República, 7ª ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 364 c-e).

Essa afirmação atribuída a Sócrates, na República de Platão, revela a dificuldade que Sócrates tinha em conceber um deus que errava, mentia, caluniava e tinhas reações humanas. Essa visão dos deuses refletia a própria decadência dos profetas e dos poetas que retratavam em suas penas e com esplendida verve o panteão grego; eles eram a imagem e a semelhança do homem. Totalmente contrários ao pensamento Cristão-Judaico o qual diz que nós é que somos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26).

Esses conceitos levantados por Plantão são, no mínimo, uma prova do que chamamos de sensus divinitatis (senso divino) que Deus cravou no homem (Rm 2.14). Isso nos leva de volta a Van Til e sua apologética, quando afirma que, por natureza, o homem deve buscar o transcendente. Não existe coerência em um mundo apenas limitado à esfera física. A metafísica é necessária para explicar o conceito de causalidade e da fenomenologia. Toda as vezes em que um cientista lançar uma dúvida para o campo do “mistério”, necessariamente, ele tem que admitir que a questão está acima de sua razão, acima de sua compreensão. Sendo assim, é inevitável que ele admita a contradição: como algo pode ser racional e irracional ao mesmo tempo? Como posso compreender a questão temporal dos fatos que, para o senso comum, são dirigidos pelo acaso? Como responsabilizar o acaso por alguns fatos e, ao mesmo tempo, dizer que o homem é autodeterminante? Portanto, é vital buscar a solução para esse problema: se a “realidade última das coisas”, segundo a filosofia e ciência modernas, é impossível de ser encontrada pelo homem, logo, por questão de lógica, devemos admitir que existe uma dimensão da realidade que está além da racionalidade humana.

O dever do cristão é usar as armas que Deus nos deu! Essas armas devem ser regidas e totalmente movidas pelos conceitos eternos e imutáveis da Palavra de Deus. Se queremos nos comunicar verdadeiramente com o homem hodierno, devemos “espiar”, com “armas em punho”, o seu território. Podemos utilizar algumas armas dadas por Deus que nos fez seres pensantes e criativos sem perder, em momento algum, a pressuposição de que Deus é quem se revela aos corações empedernidos.

Dentre diversas abordagens apologéticas que podemos fazer, fica uma sugestão reformada dada por Van Til: que todo método pressupõe “a verdade ou a falsidade do teísmo cristão”. (...) qual é o ponto de referência final requerido para tornar os ‘fatos’ e ‘leis’ inteligíveis. A questão versa sobre o que são realmente os “fatos” e “leis”. São o que a metodologia não-cristã presume que sejam? São o que a metodologia teísta cristã presume que sejam?”(Cornelius Van Til, Christian Apologetics, New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1976, p. 62). Esses questionamentos andarão em círculos e só serão solucionados após a aceitação de umas das posições. “Ficará evidente, então, que o teísmo cristão, que de início fora rejeitado por causa de seu suposto caráter autoritário, é a única posição que dá, à razão humana, campo para uma operação bem sucedida e um método de verdadeiro progresso em conhecimento” (Cornelius Van Til, Christian Apologetics, New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1976, p. 62).

Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo, (2 Co 10.4).

Que Deus nos abençoe!
Rev. Ricardo Rios Melo.

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