O Culto da Personalidade

O culto da personalidade

Queridos, é só ligar a televisão, abrir as revistas, olhar em torno da cidade com seus milhares de outdoors que perceberemos o culto às celebridades e da personalidade. É tão interessante quando paramos atentamente para analisarmos esse fenômeno. Se você tiver tempo para perder assistindo os programas de auditório, perceberá como as celebridades de determinada área são solicitadas como autoridade em assuntos que não conhecem ou que não dominam. Mas, por serem “ídolos”, têm o peso de sua opinião quase que como uma verdade inquestionável. As pessoas aplaudem e imitam seus pensamentos todas as vezes que essas personalidades dão seu parecer em determinado assunto.

Recentemente, em uma entrevista, o ator José Wilker, após ter interpretado JK, disse que muitas pessoas querem sua opinião sobre política, mas, que apesar de ter feito um personagem político, ele não é especialista no assunto. Esse episódio retrata com clareza duas coisas: 1. o profissionalismo desse ator, que sabiamente se isentou de opinar com uma autoridade que não tem. Isso não quer dizer que ele não tenha consciência política, e sim, que a solicitação das pessoas a ele era descabida; 2. a necessidade do homem em construir ídolos, seja no BBB, na música, cinema, literatura e, infelizmente, na igreja. Os seres humanos têm a infeliz propensão ao culto da personalidade.

Façamos uma viagem histórica ao Novo testamento e vejamos o que as pessoas que estavam em Listra fizeram após Paulo ter curado um paralítico de nascença: “Quando as multidões viram o que Paulo fizera, gritaram em língua licaônica, dizendo: Os deuses, em forma de homens, baixaram até nós. A Barnabé chamavam Júpiter, e a Paulo, Mercúrio, porque era este o principal portador da palavra. O sacerdote de Júpiter, cujo templo estava em frente da cidade, trazendo para junto das portas touros e grinaldas, queria sacrificar juntamente com as multidões. Porém, ouvindo isto, os apóstolos Barnabé e Paulo, rasgando as suas vestes, saltaram para o meio da multidão, clamando: Senhores, por que fazeis isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles; o qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos; contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria. Dizendo isto, foi ainda com dificuldade que impediram as multidões de lhes oferecerem sacrifícios” (At 14.11-18). Após a cura, Paulo fez questão de salientar que ela provinha de Deus. Contudo, nada disso adiantou, foi com muita dificuldade que eles impediram que os habitantes fizessem sacrifícios a Paulo e Barnabé.

Na Igreja, infelizmente, corremos esse risco. Muitas vezes, confundimos respeito com idolatria. A igreja de Corinto aderiu tanto ao culto da personalidade que não aceitava o apostolado de Paulo. Era uma igreja dividida em partidos que refletiam a falta de maturidade e centralidade de Cristo. Isso era tão forte que Paulo teve que escrever que todos são servos do Senhor e que o responsável pelo crescimento da Igreja é Deus (1 Co 3.1 -5).

Fico muito preocupado com o secularismo que desce à igreja como uma avalanche. Devemos entender que somos servos do Altíssimo e não senhores. Quando nos identificamos como calvinistas, estamos dizendo, na realidade, que reconhecemos que grande parte da interpretação que Calvino fez está de acordo com as Escrituras, como bem frisou Spurgeon : “Somente usamos o termo ‘calvinismo’ por uma questão de brevidade. A doutrina conhecida como ‘calvinismo’ não teve origem em Calvino; acreditamos que ela se originou como o grande Fundador de toda verdade . [...] Estaríamos dispostos a chama-las por qualquer outra designação se pudéssemos achar uma que fosse melhor compreendida e que, em sua totalidade, estivesse de acordo com os fatos” (C. H. Spurgeon, Verdades Chamadas Calvinistas, São Paulo, PES, ?, p. 1). Nunca devemos confundir que a nossa identidade é cristã – somos cristãos, filhos de Deus e seguidores de Cristo.

Calvino pode ser um bom exemplo; algum puritano pode ser um bom exemplo, ou até mesmo os homens bíblicos como Paulo. Entretanto, jamais devemos tê-los como objetivo a serem alcançados. Não! Somos imitadores de Paulo como ele é de Cristo (1 Co 11.1). E devemos entender que Elias era homem como nós, sujeito aos mesmos sentimentos (Tg. 5.17).

Queridos, quando não buscamos as fontes históricas, corremos o risco de sermos alienados ou manipulados pelas correntes marxistas ou até pseudocristãs. Muitas pessoas, por exemplo, falam de Lutero sem conhecerem sua obra. Lutero nutria um “profundo desgosto pelo fato de os primeiros protestantes, na Inglaterra e na França, assim como na Alemanha, terem sido chamados de ‘luteranos’: ‘A primeira coisa que peço que as pessoas não façam uso de meu nome e não se chamem luteranas, mas cristãs. Que é Lutero? O ensino não é meu. Nem fui crucificado por ninguém. [...] Como eu, miserável saco fétido de larvas que sou, cheguei ao ponto em que as pessoas chamam os filhos de Cristo por meu perverso nome?’. Essa renúncia, escrita em 1522, não era o protesto de uma falsa humildade, mas sim, um real esforço de reduzir um ‘culto da personalidade’, já em surgimento, e dirigir a atenção à fonte do pensamento do reformador. ‘O ensino não é meu.’ Compreender o que Lutero quis dizer com essa afirmação é apreender o impulso central de sua teologia da Reforma” (Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994, p. 55).

Nenhum reformador que se preze poderia concordar com o culto da personalidade, até mesmo Calvino, que morreu sem ter nada materialmente substancial; algo, no mínimo, estranho para quem foi denominado injustamente de “pai do capitalismo”. “Quando o fim estava bem próximo, os ministros de Genebra aglomeram-se em sua casa para ouvir sua mensagem de despedida. Ele relembrou o curso turbulento de sua carreira e tentou colocar sua própria vida em perspectiva: ‘[...] A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso do modo mais possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentado a requintes, resisti à intenção e sempre estudei a simplicidade. Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei diante de mim o que julguei ser a glória de Deus’” (Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994, p. 245,246). O nosso alvo é sermos santos como Jesus “porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pe 1.16) .

Deus nos abençoe!
Rev. Ricardo Rios Melo.

Comentários

Anônimo disse…
teste

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